terça-feira, 8 de dezembro de 2009

PARA NÃO VER DEUS DUAS VEZES

   Há uma pilhéria conhecida internacionalmente que diz: “bem-aventurados os bêbados, porque verão a Deus duas vezes”. Mas, o gracejo termina, ou deveria terminar, onde começa a atividade de dirigir um veículo automotor. Há anos assistimos, já cansados, no Brasil, a divulgação dos altos índices de acidentes de trânsito com milhares de mortos e feridos. E uma das principais causas para os acidentes não é outra senão a embriaguez. A associação entre o uso de bebidas alcoólicas e a condução de veículos motorizados está relacionada, nos Estados Unidos, a 25 mil mortes e 150 mil pessoas permanentemente incapacitadas por ano. No Estado da Califórnia, estima-se que cerca de 45% dos acidentes com vítimas e 70% das pessoas mortas em acidentes de trânsito apresentavam alcoolemia sangüínea significativa, isso para não mencionar o uso de outras drogas.
 
   Entre nós, há uma estimativa mais alta, calcula-se que 75% dos acidentes de trânsito com vítimas fatais esteja relacionado com a embriaguez. É que, no Brasil, aproximadamente 40% das ocorrências policias, em geral, estão amalgamadas ao uso da bebida alcoólica. Em Alagoas, não é diferente. As autoridades policiais, os promotores e os juízes criminais são testemunhas diárias dos homicídios, lesões corporais, estupros, entre vários outros delitos, perpetrados, banalmente, sob a influência do álcool e que atingem, sobretudo, as camadas economicamente desfavorecidas da população. Aliás, é essa uma das diferenças verificadas para os crimes de trânsito, pois estes envolvem pessoas de todos os estratos sociais, embora, quem sabe senão por isso, tenham penas demasiadamente brandas, não obstante a gravidade do perigo e do dano que deles possam resultar.

   Já propusemos junto ao Gabinete de Gestão Integrada – GGI, no Governo de Alagoas, baseados em experiência do interior de São Paulo e de Pernambuco, anteprojeto de Lei para proibir, em determinados horários, a venda de bebidas alcoólicas nas localidades municipais afetadas por violência decorrente da embriaguez. Não obstante tenha sido aprovada pelo Legislativo Estadual e sancionada pelo Executivo, a burocracia policial alagoana tem dificuldades no cumprimento da restrição e setores desinformados da imprensa acusaram a Lei de descriminar a periferia, desconhecendo que o cidadão de bem que habita as regiões mais violentas seria o grande beneficiado pela medida.

   Nosso país ainda permite a veiculação de propaganda de bebidas sem limite de horário, associando o álcool às mulheres, à fama e ao viver bem, embora, por mais absurdo que seja, haja decisões que proíbam a utilização do bafômetro contra a vontade do motorista bêbado, baseadas no pífio argumento de que ninguém pode fazer prova contra si mesmo, como se não houvesse um escalonamento de normas na Constituição e o direito à vida não fosse superior a um direito processual.

   O governo federal, ainda que tardiamente, editou Medida Provisória proibindo a venda de bebidas, nas estradas federais, cujo teor alcoólico seja igual ou superior a 0,5%, o que abrange quase todos os tipos disponíveis no país – as cervejas, mais tradicionais, têm graduação a partir de 4,5%. A medida é boa e o governo do Estado deveria adotá-la para as vias estaduais o mais rápido possível. É óbvio que posições desta natureza não resolvem o problema isoladamente, como denunciam as já obtusas críticas, mas, de certo, constituem imposição, desde que haja fiscalização e punições, em favor da vida e da incolumidade física das pessoas. Precisamos fortalecer a crença de que os direitos individuais somente se sustentam quando observado o direito à coexistência. Se os borrachos pretendem ver Deus, ainda que duas vezes, que vão sozinhos na sua estrada sem volta.


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