terça-feira, 22 de dezembro de 2009

OS PARADOXOS DO NATAL

Aos cristãos para, quem sabe, uma interpretação (alegórica) do texto que permita a contradição:

"Ouvistes o que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao mau. Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra. Se alguém te processar para tirar-te a túnica, cede-lhe também o manto. Se alguém vem obrigar-te a andar mil passos com ele, anda dois mil. Dá a quem te pede e não voltes as costas ao que deseja um empréstimo.

Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos [maltratam e] perseguem para serdes filhos de vosso Pai do céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos.

Se amais somente os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem assim os próprios publicanos? Se saudais apenas vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não fazem isto também os pagãos?” (Mateus, Capítulo 5, versículos 38 a 47).


  O filho de Deus nasceu, pelo menos é como consta, em “um deserto subtropical onde jamais nevou, mas neve se converteu num símbolo universal do Natal desde que a Europa decidiu europeizar Jesus”, branco, de cabelos longos e olhos azuis.

  A neve que a maioria de nós nunca viu e que, por incrível que pareça, muitos adoram (!?), é retratada das mais diferentes maneiras: com luzes, algodão etc. Existem, mesmo, aqueles que compram máquinas destinadas ao fabrico de pequenos flocos de neve.

  A árvore que simboliza o espírito natalino, decoração quase que obrigatória nos lares brasileiros, é um pinheiro nativo do hemisfério norte.

  Papai Noel, o outro grande símbolo que enfeita casas, prédios e ruas, nos aparece vestido de gorro, luvas e polainas em pleno e abrasador verão brasileiro, carregado, pasmem, por renas que nunca vimos na vida, pois são animais que habitam o ártico.

  Há pessoas que mandam fazer chaminés em suas casas no nordeste do Brasil, na esperança, quem sabe, que faça um frio polar, ou, é bem provável, pensando no ingresso do “bom velhinho” com seus presentes (!!!).

  O natal é, hoje em dia, “o negócio que mais dinheiro dá aos mercadores que Jesus tinha expulsado do templo”.

  As comemorações, ao menos as que interessam, são profanas, sob medida, para produzir glutões e bêbados: cervejas, vodkas, whiskys... E, é claro, champanhes e vinhos; perus, queijos, ameixas, damascos, nozes... Ah, neste natal, principalmente, seria imperdoável esquecer os panetones.

  Próximo ao natal de 1980, portanto há 29 anos, um assassino, violentamente, tirou a vida de um dos grandes ídolos da música pop, que, não obstante tenha afirmado ser mais popular que Jesus, inspirado pelos ares desta época, festejou o natal deixando-nos uma reflexão e uma mensagem de paz que eu, embora não goste de citações sem tradução, verto no original para, afinal, aproveitando-me, porque não, do natal, desejar que homens e mulheres sejam mais fraternos, mais companheiros, mais humanos, ainda que humanidade seja, também, egoísmo e competição. Se tudo isso é contraditório, comemoremos então a contradição em nossos espíritos, esperando, porém, um bom ano, com menos sofrimento no mundo:

And so this is Christmas
And what have we done
Another year over
A new one just begun…/

And so happy Christmas
For black and for white
For yellow and red ones
Let's stop all the fight…/

And so this is christmas (war is over...)
For weak and for strong (...if you want it)
The rich and the poor one
The world is so wrong…/

And, so happy Christmas
We hope you have fun
The near and the dear one
The old and the young…/

A very Merry Christmas
And a happy New Year
Let's hope it's a good one
Without any fear


Obs. As frases entre aspas são de Eduardo Galeano. A canção Happy Xmas (War Is Over) é de John Lennon.

2 comentários:

Evyne Salvador disse...

É mesmo de se pensar como tudo é tão contraditório nesta época, tão feliz e, de certa forma, tão triste ao mesmo tempo. Tomando os ensinamentos de Cristo, é no mínimo estranha esta conversão de esperança de paz e de um mundo melhor em um discurso egoísta ao longo de todo o ano seguinte. Diria eu incompreensível. Mas este é o mundo que "criamos", e, ainda que carcomido por tantas imperfeições, é o mesmo mundo pelo qual devemos agradecer. É lamentável perceber como caminha a humanidade, "com passos de formiga e sem vontade", na expressão cunhada por Lulu Santos, e como nós também contribuímos para tudo que dizemos estar errado.

Ainda assim, apesar das comemorações distorcidas, o Natal é tempo de reflexão e agradecimento. Ainda que os sentimentos que ressurgem a essa época do ano tenham a capacidade de se esvair tão facilmente, assistir a essa "renovação natalina" me faz pensar em como há tanto por que se lutar. Ainda que não tenhamos aprendido, ou melhor, entendido a grandeza de se doar frente ao mal sofrido, o Natal ainda é a época em que as pessoas podem sentir como a solidariedade é um valor que clama por espaço e, o melhor, que com o mínimo de esforço individual, pode se concretizar.

Entre estas tantas contradições que a sociedade nos impõe, acredito que enquanto houver uma busca pessoal e íntima de renovação, de caridade e compreensão, ainda que com tantas alegorias e atrações um tanto sem sentido, e mesmo com o nascer entorpecido desses sentimentos diante do nosso contidiano intransigível, enquanto houver alguém que pregue o amor e misericórdia de Deus por nós, no seu gesto de entrega do seu próprio filho, ainda que fantasiado, o verdadeiro espírito de natal restará vivo e, diria mais, intacto, nos corações de todas as pessoas que se digam humanas. Afinal de contas, ainda que nossas ações sejam reflexo do nosso pensar, a nossa nobreza é medida pelos desejos mais guardados do nosso coração que só Ele conhece e é capaz de julgar.


Gostei muito do texto professor. Imagino que me fiz perceber no comentário que, a início, pensei que seria breve. Feliz Natal e um ano novo cheio de realizações.

Alberto Jorge C. de Barros Lima disse...

Estimada Evyne,

Concordo, plenamente, com vc. A minha observação relacionada ao cristianismo do nosso tempo sempre foi o fato de os cristão valorizarem muito o crer e pouco o fazer, diferente do budismo, por exemplo, onde o seguir os ensinamentos é muito mais importante que acreditar.
Abraços e realizações no novo ano.

Alberto.