quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

SOBRE A GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO

   Não é incomum a altercação sobre as possibilidades do direito de greve no serviço público. Mais que isso, permanecem os questionamentos sobre a própria existência de tal direito. Mesmo porque, desmitificando, de logo, a compreensão que o exercício da greve no serviço público é uma conquista intangível da democracia, cabe firmar que vários ordenamentos de países democráticos não reconhecem o direito em questão. Nos Estados Unidos, berço dos direitos civis, a greve no serviço público federal é terminantemente proibida, passível até de prisão para o grevista. Na Alemanha, cujo direito constitucional exerce forte influência no sistema jurídico brasileiro, os funcionários estatutários não podem fazer greve em razão dos princípios tradicionais da administração púbica.

   Entre nós, a Constituição de 1988 concebeu o direito de greve para os servidores públicos, porém deixou a regulamentação para a legislação ordinária que nunca foi produzida, tanto pela inércia de iniciativa do Executivo, quanto pela falta de trabalhos no Congresso Nacional. Ante a ausência legislativa as opiniões variavam ora para reconhecimento, ora para a impossibilidade do exercício do direito de greve, nesse caso por ser a norma constitucional de eficácia contida, ou seja, condicionada a existência de regulamentação legal para viger. A última posição foi sempre aceita pelo Supremo Tribunal Federal. Mas, cansado de esperar a regulamentação, o Tribunal sinalizou para aplicação da lei geral de greve destinada ao trabalhador privado (acesse aqui o MI 712). A conseqüência de toda essa mixórdia – não obstante a decisão mais recente do Pretório Excelso sobre a restrição para as funções essenciais do serviço público (acesse aqui a decisão do STF) –, é o que hoje assistimos na prática: o exercício ilimitado do direito de greve pelos servidores públicos.

   É inegável o direito dos funcionários de reivindicar melhores condições de trabalho e, sobretudo, melhores vencimentos, ou ao menos, vencimentos compatíveis com as suas respectivas funções, corrigidos em razão da espiral inflacionária, que atendam, no mínimo, às necessidades básicas de uma família. No entanto, o instrumental para uma reivindicação de tal natureza não pode colidir, em nenhuma hipótese, com os direitos e interesses dos cidadãos. É que no estado democrático de direito o conflito entre os direitos dos servidores e os direitos dos cidadãos resolve-se, sempre, em favor dos últimos. O direito do cidadão, do contribuinte, do povo a ter serviços prestados por funcionários do Estado é maior que direito de greve destes últimos. “A opção pela carreira pública é personalíssima, ninguém nela deve permanecer quando entenda lhe está sendo exigido demasiado sacrifício”. O servidor público, já se disse, “é um servidor da comunidade e não servidor de si mesmo”, seus direitos são estritamente condicionados aos seus deveres junto à sociedade.

   A ausência de legislação regulamentadora, que se faz urgente, obriga ao poder público controlar as possibilidades de greve em cada caso concreto. Não é mais possível admitir a baderna protagonizada por grupos que atingem frontalmente o cidadão e a comunidade, tampouco o ócio de servidores que simplesmente cruzam os braços enquanto são pagos pelo combalido trabalhador brasileiro. Não é mais possível transigir com os pelegos em busca de cargos e outras vantagens pessoais. Não é mais possível permitir a intromissão da politicagem que sustenta interesses próprios e eleitoreiros.

   Por óbvio, os servidores não podem ficar a mercê de déspotas ou de administradores incompetentes. É fundamental que tenham amplo acesso e participação sobre a situação orçamentária e financeira do Estado, contando com rígidos mecanismos punitivos para os maus gestores, inclusive com a imprescritibilidade das infrações administrativas e dos crimes contra o erário por eles praticados. Todavia, já não se pode olvidar que o direito à greve, se é um direito, é um direito de defesa contra o Estado-Administração e não um direito de defesa contra o povo. Só nessa assertiva temos um bom começo para delinear seus limites.

Um comentário:

Luís Fernando Rocha disse...

De fato a situação é precária, claro que provém da parte ao qual tem seu débito/responsabilidade com o povo, o trabalho foi "dado", todavia, a lacuna deixada. Tal legislação específica não poderia e nem pode estar até hoje à deriva deste modo... Observemos, sua crítica aqui presenciada foi publicada em 2009 e, ainda com tanto tempo se passado, "continuamos" inertes à toda politicagem suja e vagarosa que nos é prestada.

Me questiono sobre o futuro desta "terra" para meus descendentes e por ora venho a me culpar, pois, mesmo ciente de toda a corrupção ética e moral de nossos compatriotas exercidas a céu aberto; ter escolhido, ainda assim, aqui cultivar meu único ato de esperança, meu filho.


Abçs Alberto, te admiro de fé e fato!