Não é propósito deste espaço a transcrição de artigos alheios, entretanto, vez por outra, não há como não ceder. O texto do Fernando de Barros e Silva pareceu-me preciso sobre o caso Abdelmassih, por isso segue na íntegra. Para além, faremos, a partir dele, uma série de reflexões sobre o processo penal no Brasil.
Folha de São Paulo, segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
FERNANDO DE BARROS E SILVA
O caso Abdelmassih
Folha de São Paulo, segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
FERNANDO DE BARROS E SILVA
O caso Abdelmassih
Vamos começar fazendo três perguntas: 1. Quantas pessoas estão encarceradas hoje no país, em regime de prisão preventiva, sem que ainda tenham sido julgadas? 2. Quantas, entre as pessoas que se encontram nessa condição, chegam a ter seus pedidos de soltura apreciados pelo Supremo Tribunal Federal? 3. E quantas conseguem ver seu caso atendido em apenas quatro meses pelo presidente da mais alta corte do país?
A resposta talvez conduza à conclusão de que o doutor Roger Abdelmassih é um homem de sorte. Ou que pagou os advogados certos. O jornal "Le Monde" tinha razão, mas pegou leve ao dizer que nosso Judiciário é "preguiçoso". Às vezes, só às vezes, é ágil até demais.
O habeas corpus de Gilmar Mendes, que, no recesso da Justiça, libertou o médico acusado de molestar sexualmente pelo menos 39 mulheres, causa óbvio mal-estar. As vítimas (supostas?) depositavam na expertise do doutor a esperança de engravidar - e a situação de vulnerabilidade física e emocional em que foram atacadas, conforme os relatos, confere ao escândalo feição especialmente repugnante.
Os leigos estão cobertos de razão ao manifestar indignação diante da decisão judicial, não obstante suas "razões técnicas". Mendes sustenta que a prisão preventiva não pode representar a "antecipação da pena". Tem sido uma das suas brigas.
Mas podemos inverter o raciocínio e indagar se o Judiciário, refém e cúmplice das chicanas de advogados "influentes", não patrocina, com suas peças intermináveis, um patético teatro da impunidade?
Não há como fugir à evidência revoltante de que, tendo dinheiro e/ ou fama - e advogados a preço de ouro -, o sujeito, não importa o que tenha feito de terrível, cedo ou tarde se dá bem. Sim, sabemos que cabe à Justiça zelar pelos direitos dos indivíduos contra o clamor às vezes cego da maioria. Mas nossa prática jurídica não raro invoca esse princípio para dar guarida aos aspectos mais abomináveis do privilégio.
3 comentários:
Infelizmente, diga-se de passagem.
Azar de um, sorte de outros. Ora, não se pode nivelar por baixo. Quem tem dinheiro para arcar com grandes escritórios de advocacia, não dispensa de conseguir sua liberdade provisória. E não há nada de errado nisso, ao contrário, esse discurso moralista de rapidez processual é desmascarado com uma pequena experiência prática: qualquer juiz de 1º grau, e no caso STJ (que negou a liminar) e STF (concedido pelo Gilmar Mendes), aprecia um pedido de forma mais breve quando tem um advogado no "pé" dele, consoante permissão legal do Estatuto da OAB (art. 7, VIII).
Se quiser mudar esse quadro, que se aumente o investimento nas Defensorias Públicas! Quem sabe um dia elas não possam ser tão influentes e eficientes?
O que não dá é se unir a tendência punitivista de réus abonados, legitimando, de forma consequencial - como não poderia deixar de ser - uma punição aos réus "comuns".
Quanto à matéria do HC, os argumentos do Presidente do Supremo são coerentes e até convincentes.
Mas Gilmer Mendes para o leigo é como Lula para a revista VEJA (e seu intelectóide Diogo Mainardi): há sempre uma presunção de culpabilidade.
Seu discurso é equivocado. As apreciações de Habeas Corpus não são tão rápidas para as pessoas mais carentes. Faça uma consulta no sítio do STJ e verifique há quanto tempo está parado um HC aqui de Maceió (vai o nº: HC 59101): 04 anos.
A questão posta no artigo não diz respeito somente aos privilégios legais (independente serem ou não legítimos), como as prerrogativas processuais, o maior poder de persuasão das partes, a maior aproximação de advogados mais destacados com os ministros etc. O jornalista, independente do acerto ou da postura correta do Ministro, seguindo a legalidade, nos chama atenção, também, para as práticas ilegais no Brasil (o “jeitinho”, o tráfico de influência etc) – “aspectos abomináveis do privilégio”.
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