quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O NOVO ANO


                                                                                                                  Eheu fugaces... labuntur anni.
                                                                                                                                                              Horácio (65-8 a.C.)

 O que significa um novo ano? Apenas a mudança convencionada em um calendário? Felicitações e desejos de prosperidade, paz, saúde etc? Mais uma norma social? Ou um projeto de vida que costumamos fazer sempre de um dia para outro e, nesta oportunidade, o fazemos acreditando mais, por conta do maior prazo? Tudo isso junto. Somos, como dizia Pessoa, “escravos cardíacos das estrelas. Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama; mas acordamos e ele é opaco, levantamo-nos e ele é alheio, saímos de casa e ele é a terra inteira, mais o sistema solar e a Via Láctea e o indefinido”. No fundo, as promessas de um novo ano, não aquelas desejadas aos outros, mas a nós mesmos, são promessas de conquistas próprias, as quais, o amanhecer do primeiro dia de janeiro nos encarrega de, como o sol, demonstrar a realidade das coisas. Se é importante sonhar? Sim, eu acredito que sonhos possam, de alguma forma, lograr, mas tudo é passageiro e a realidade implacável nos persegue avisando-nos disto. O próprio término do ano, não deixa de ser um anúncio apodíctico do efêmero. É certo, a vida prossegue veloz em seu curso instável. Talvez os loucos, as crianças, ou, quem sabe, os ingênuos não se libertem para essa escravidão. Talvez os mais incomodados se entorpeçam no final de cada ano - e em quase todos os dias do subsequente -, na embriaguez que os liberta da liberdade do real. Mas o que sei eu do real? Nada, a não ser que o tempo corre pondo “umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens”, mas, ainda assim, vamos, porque não, comemorar, cantar e brindar o nascer do novo ano.

7 comentários:

Unknown disse...

"...mas tudo é passageiro e a realidade implacável nos persegue avisando-nos disto"

Depende da forma com que enxergamos a realidade, o término do ano constitui anúncio apodítico do cessar, dentro do Tempo, dum período dotado de efemeridade. Mas algo há de eterno, além da realidade física do mundo tangível. Algo há de eterno em nós, que convencionamos os diversos sistemas de calendários existentes ao longo da História e das civilizações, mas a maioria de nós vive escravos da vida cotidiana e seu curso instável, uma vez que nos submetemos aos sistemas que criamos, à ciência material que desenvolvemos (unicamente).

Para se libertar desta escravidão é preciso ir em busca do que é Real e Estável que há além das promessas e felicitações, estas sim, em sua maioria, efêmeras, no início deste novo período de 2010 e em todo o Tempo existente, no Eterno Universal.

Alberto Jorge C. de Barros Lima disse...

O problema, meu caro, é que se já nos é impossível a apreensão do real, por conta das limitações do nosso aparato cognoscente, o que dizer do eterno (ou do etéreo). O que é "estável" e "real"? Somos como o homem e o rio de Heráclito, se há uma realidade, ela está na mudança, pois mesmo em vida - já afirmava Santo Agostinho -, "nascemos e morremos todos os dias". Quanto a eternidade, parece-me, é uma questão de fé.

Unknown disse...

De fato, temos a consciência aprisionada em um aparato cognoscente limitado ao que alcançam os sentidos que captam o mundo sensorial, isto adstringe sobremaneira a nossa percepção da realidade etérea (achei interessante sua menção ao termo). Certo é que faço referência, quando falo sobre o estável e o real, ao Eterno Superior, mas concordo que a vida em matéria é uma realidade que se perfaz numa eterna mudança, pois é para isso que a vivemos, para mudarmos para melhor a cada ano que se inicia, como a cada dia em que o Sol nasce. Lanço-me ao risco de julgar, se estiver errado, ou constatar, se estiver certo – e espero que não esteja -, de que o senhor pouco se interessa por estes assuntos metafísicos que exigem um alto grau de abstração para seu estudo e compreensão, mas caso eu esteja errado, como gratidão que tenho a ti pela sua exímia capacidade de ensinar e fomentar o exercício do aspecto racional na mente do discente, ofereço-te uma oportunidade de ampliar sua consciência para além destes limites e perceber o que existe além da transitoriedade da vida que a maioria das pessoas vive entra ano sai ano.

Alberto Jorge C. de Barros Lima disse...

Imagine se não me interesso. Todos nós nos interessamos, a mágica está em acreditar no que queremos, afinal é mais compatível com a democracia e, convenhamos, as catequeses envelheceram e com elas os profetas, principalmente se forem economistas (!!!). Chega de intermediários para Deus e corretores para as terras do paraíso.
Finalizo, tb, com o Pessoa, só que no heterônimo Alberto Caeiro:
"Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele, sem dúvida que viria falar comigo e entraria pela minha porta
dizendo-me, aqui estou!
(...)
Mas se Deus é as flores e as árvores e os montes e o sol e o luar, então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores e os montes e o luar e o sol, porque lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver, sol e luar e flores e árvores e montes, se ele me aparece como sendo árvores e montes e luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver,
espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora." (Ficções do Interlúdio/1. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1975, p. 40-1)

Unknown disse...

Perfeito. Belo poema. Pessoa exprime de maneira simples algumas das formas com que a Natureza se mostra a nós (e portanto Deus também), mas por que, prescindindo o fator histórico da vinda de seres à Terra que falaram sobre o Arquiteto Universal - pois mesmo antes deles a humanidade já nutria uma intuição sobre Deus (ou divindades, algumas físicas outras metafísicas)-, observávamos e observamos a Natureza mas não somos capazes de associar completamente (no estágio atual de evolução filosófica da humanidade) Deus às flores, às árvores, aos montes e ao Sol? Ao observar a engenhosidade da Natureza a maioria das pessoas concebe, inexoravelmente, essa idéia intuitiva de que há algo além do que se pode ver e tocar, então chamam, os que crêem, essa idéia de Deus e atribuem-lhe a criação manifestada em substância material do Universo.

O que te ofereço, meu caro professor, é uma nova visão sobre Deus e sobre nós, uma visão imbuída de pragmatismo real e esclarecedor, que não se funda em teses subjacentes aos escritos bíblicos, pois vamos muito além disso, debatemos questões filosóficas de toda sorte, mas principalmente as relacionadas com a razão de estarmos aqui, eis porque eu e o senhor iniciamos este debate sobre a passagem de ano, sobre a real importância deste momento, eu li o texto escrito pelo senhor e conheci uma face de Alberto Jorge que eu não conheci em sala de aula, destarte observei que, de fato, o senhor tem potencial e grande capacidade para se encontrar com sua própria complexidade enquanto ser humano (é um trabalho que eu faço comigo também diariamente com fins de promoção do auto-melhoramento interno) e pode adentrar interessado à seara de conhecimento que te proponho vislumbrar.

Talvez o senhor não tenha entendido bem tudo o que eu quis dizer no parágrafo anterior, mas entenderá melhor posteriormente.

A partir daqui sugiro que comuniquemo-nos por e-mail, pois minha intenção não é dotada de proselitismo, não obstante talvez transparecer tal efeito para o senhor, meu caro. Por e-mail entrarei em detalhes sobre o que quero dizer.

Para confirmar, o seu e-mail é albertobarroslima@yahoo.com.br?

O meu e-mail é raonigc@hotmail.com

Se quiser saber do que tratarei eu te peço que confirme o seu e-mail (respondendo aqui no blog mesmo) e aguarde uma mensagem minha para o seu endereço eletrônico. OBS.: se não receber minha mensagem no mesmo dia procure olhar a caixa de spam do seu e-mail.

Abraços, Raoni.

Alberto Jorge C. de Barros Lima disse...

Estimado Raoni,
Não me leve a mal, respeito demais a religiosidade de todos e o meu respeito é tanto que não pretendo convencer ninguém sobre o que penso sobre Deus ou qualquer outra questão espiritual-religiosa.
É preciso não esquecer que somos –todos nós –, muito complexos e, assim, bem como por nossas limitações no processo de conhecimento, não saberemos nunca como o outro realmente é. Esse é o sal que dá gosto a aventura humana na terra: o eterno e encantado labirinto. “Cada um de nós é um universo” (lembra do Raúl Seixas?), cada ser carrega consigo os seus Deuses, sempre diferentes, pois moldados pela fantástica complexidade individual de cada pessoa.
Se for exercer a advocacia é preciso escrever menos. Há um conto entre os juízes de que o advogado que escreve demais não tem razão. (É brincadeira). Abraços.

Unknown disse...

De forma alguma o levarei mal, caríssimo professor. Eu percebi mesmo me delonguei nas questões que tratamos, mas foi para ver até que ponto se estendia o interesse do senhor dentro do âmbito da problemática que busquei.

Apenas deixe-me pontuar que o grupo que eu faço parte é mais uma sociedade filosófica do que uma religião em si, não busca adeptos e não requer "conversão", não há dogmas, tudo é questionável (risos).

Meu intento é a magistratura.

Abraços.