A liberdade, não há questionamentos, é um dos pilares essenciais no Estado Democrático de Direito forjado pela modernidade no ocidente. Embora conceituada como direito fundamental do ser humano e retratada nas Declarações de Direitos e nas constituições da maioria dos estados soberanos, a liberdade é, parece-me, mais fácil de ser sentida do que ser explicada. No modelo do Estado Democrático de Direito a noção de liberdade não pode ser compreendida sem ter conta a noção de legalidade. Se o projeto da modernidade carecia de um ser humano autônomo, a liberdade somente poderia ser entendida como ausência de obstáculo a vontade do indivíduo. Mas, será livre aquele que pode fazer o que quer, ou será escravo dos seus desejos? Movimentamos nossos passos com autodeterminação, ou não passamos de marionetes comandadas pela força oculta do inconsciente?
A modernidade nos legou a autonomia, nos fez crer no poder ilimitado da razão, porém no nosso tempo pós-moderno, heterogêneo, dinâmico, desordenado, essencialmente incontrolável e indeterminável e, por isso, assustador, nos vemos, e pior, nos sentimos cercados por muitos muros. Rodeia-nos os tijolos dos condomínios distantes, as cercas elétricas de prédios e casas, a blindagem de nossos carros. Há, ainda, as muralhas invisíveis, aquelas que fazem o cerco oprimindo-nos a consumir de sanduíches intragáveis, a fármacos e próteses que prometem beleza e sexualidade infinita. Não é à toa que nem as endorfinas, nem as drogas (legais e ilegais), nem sequer a ignorância, nos liberta daquele vazio, daquela insatisfação que, embora momentânea, aprisiona nossa alma.
Foi sentindo e não explicando a liberdade que os negros de Palmares e dos demais quilombos brasileiros lutaram contra o europeu escravocrata. Talvez por isso, muitos não compreendam que eles não poderiam reclamar a liberdade como categoria universal, ou mesmo implantá-la, plenamente, para a sociedade que haviam edificado. Suas aspirações não são outras, senão a liberdade “elementar sem a qual a existência humana já não tem sentido”. Entrementes, a reação dos quilombos afigura-se como etapa fundamental para a emancipação dos negros. Ela foi símbolo das insurreições posteriores e, certamente, decisiva para a abolição.
Desde que a escravatura tornou-se o sistema de exploração geral das terras, introduzido em Alagoas por volta de 1570, houve, como conseqüência automática, a fuga dos negros para formação de quilombos. Eram povos vindos de todos os cantos da África, com religiões, línguas, costumes e culturas diferentes, convergindo, após as evasões, para um ponto distante na floresta brasileira. Sua união é marcada por, praticamente, uma única aspiração em comum: o sentimento de liberdade.
No dia 20 de novembro de 1695, portanto há três séculos e quatorze anos, Zumbi morreu combatendo o poder escravocrata em terras dos Caetés, os índios que devoraram antropofagicamente uma das mais simbólicas personificações do poder europeu em solo pátrio.
Zumbi, que nasceu livre em Palmares, tinha, por mais paradoxal que isso possa parecer, a liberdade como prisão. Sua guerra contra o inimigo, na visão de Benjamin Péret, é uma luta obrigatória, um combate sem escolhas, uma vez que sua autoridade no quilombo residia, principalmente, na recusa da paz aceita por Ganga-Zumba e na destituição deste último, para a qual colaborou. A campanha armada de Zumbi, não se pode duvidar, tinha como estandarte a vitória com a conseqüente realização do sonho de liberdade, ou a morte, preferível ante ao jugo do opressor. É um legado contra toda opressão material, resta-nos, ainda, aprender sobre o banzo que, tal qual componente atávico, se manifesta, larga e estranhamente, entre os brasileiros.
Um comentário:
Parabéns pelo blog e por seus artigos!Uma verdadeira pérola jurídica.
Os links de suas postagens estão no Blog Alagoas Real
Mário Augusto
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