O texto que segue foi escrito há, aproximadamente, um ano para um matutino local. Na época, as inaugurações de obras públicas destacavam por compadrio, como é comum no Brasil, o nome do homenageado. O artigo, para minha maior surpresa, foi agraciado com uma moção de reconhecimento e apoio pela Câmara de Vereadores de Maceió.
O Estado Democrático de Direito, ao consagrar o sistema representativo para gestão da coisa pública, erigiu como princípio reitor a impessoalidade. Não poderia ser diferente: as obrigações determinadas aos mandatários derivam da vontade dos mandantes, o povo, reveladas através das leis, e as realizações cumpridas por aqueles são bancadas com os dinheiros públicos arrecadados à custa de pesados tributos. Os gestores, definitivamente, não são iluminados que conseguem resolver, de uma hora para outra, os problemas da comunidade, pois o que colocam em prática é vinculado a regras pré-fixadas, seu espaço discricionário é mínimo e sua criatividade, quando possível, não é, senão, pressuposto para candidatura ao gerenciamento da coisa pública.
A vocação para ocupar todo e qualquer cargo público, do agente administrativo ao professor, do vereador ao deputado, do prefeito ao presidente, centra-se na dedicação. Contudo, os agentes políticos, mais do que todos os outros funcionários, são, ou deveriam ser, servidores exemplares, aptos a servir conscientes daquilo que lhes foi delegado, capazes de empreender esforços sem recompensas, pois ninguém é obrigado a ser mandatário ou gestor quando não se dispuser aos sacrifícios próprios do cargo.
Apesar do aparato legal vigente, a experiência brasileira sempre revelou práticas abusivas de autopromoção dos nossos representantes e autoridades. Deslumbrados face ao poder que detêm, ainda que pequeno e exercido em remotos rincões, paparicados pelos eternos bajuladores e empavonados com a aparição midiática, constroem estátuas e bustos caricatos. É corriqueira a designação de prédios, salas, salões, bibliotecas, ruas, ruelas, estradas e até, pasmem, banheiros públicos com os seus nomes. O que mais impressiona é a ingenuidade da perspectiva de verem suas imagens perpetuadas para a história, como se esta fosse estática e não construída em um processo dialético por sucessivas gerações. Não é sem razão, portanto, que as homenagens em edifícios públicos devem ser póstumas, pois que calcadas em longas discussões sobre o merecimento do homenageado.
Não são poucas as vozes, todavia, proclamando que não interessa ao morto a homenagem, mas só aos vivos que podem dela usufruir. Nada mais obtuso, porquanto, pretendendo justificá-la, acabam negando sua lógica. Homenagens dessa natureza se prestam ao julgamento das gerações futuras, mais capazes de aferir as grandes realizações que servem a todos como exemplo, únicas dignas de merecimento e que se sedimentarão na consciência coletiva fazendo parte das tradições de um povo. Nomes em edificações, imagens em avenidas, não encontrarão qualquer significado quando ausente a correlação das realizações da pessoa e o julgamento mais ou menos perene da coletividade. Estátuas assim somente servirão para as necessidades fisiológicas dos pássaros, sem muita demora serão olvidadas ou, mesmo, tombarão fisicamente.
As sociedades pós-modernas, ademais, não comportam as idealizações que, no passado, se fazia das lideranças. As imagens em bronze, o nome em praça e logradouros são dos tempos dos pioneiros, dos desbravadores, daqueles que forjavam as normas quando ainda não vingava o Estado de Direito. É a própria mídia que nos revela, hoje, lideranças de carne e osso, com algumas virtudes, mas, também, repletas de fraquezas. Na atualidade, a utilização dos nomes e imagens em obras públicas acaba servindo de mote para o escárnio aos detentores do poder, ante a ausência de senso de ridículo, sobretudo nas autopromoções ou nas homenagens por compadrio. Mas o risível não é punição para os néscios, já é hora de fazer valer a lei condenando-os em todas as esferas possíveis, obrigando-os, sempre, a devolver as verbas públicas empregadas de forma grotesca e indevida.
3 comentários:
Professor Alberto Jorge,
Em maio passado, ingressei com uma ação popular no sentido de anular todas as leis de efeitos concretos produzidas pela Câmara Municipal de Maceió que atribuíram nomes de pessoas vivas a todos os logradouros públicos da cidade.
O juiz da 14ª Vara Cível indeferiu o pedido de antecipação de tutela, pois ele entendeu que não havia perigo de dano irreparável ou de difícil reparação.
Vou esperar a resposta final do processo.
Posso enviar para quem quiser a cópia da ação.
Abraços de seu ex aluno
Othoniel Pinheiro
Caro Othoniel,
Conheço o seu empenho e o sério trabalho que vc tem desenvolvido. Vamos aguardar por uma resposta à altura.
Abraços.
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