As sociedades periféricas globais, ou aquilo que, antes, chamávamos terceiro mundo ou coletividades subdesenvolvidas, são marcadas por um sem-número de problemas. Há, por evidente, uma série de questões comuns a países culturalmente diferentes: a fome, por exemplo. Mas existem, também, problemas exclusivos ou muito mais concentrados em determinados países do que em outros. No Brasil, que, não obstante a melhora nos índices de desenvolvimento humano nos últimos lustros, não saiu ainda da periferia, a criminalidade tem encontrado índices preocupantes. Para além da endêmica corrupção, a maior das parideiras dos delitos, chama atenção o alarmante número de homicídios.
Em sociedades periféricas como a nossa, caracterizadas pela violência gerada pelas próprias instituições (morrer por falta de assistência médica, pagar propinas para reaver bens furtados, padecer nos péssimos transportes coletivos, perder direitos por ausência de acompanhamento jurídico etc), o impacto provocado pela criminalidade na população tem aumentado a sensação de insegurança produzindo a multiplicação das tendências agressivas das massas. Cairia bem, nesse caso, a explicação psicanalítica da figura do bode expiatório. Em todo ser humano existiria uma inclinação de transferir os seus aspectos mais negativos (inconscientemente) para uma terceira pessoa. Em lugar de voltar-se contra si próprio, cuidando de suas próprias culpas e frustrações, insulta-se e pune-se um terceiro externo.
No modelo do Estado Democrático de Direito, as sanções penais encontram limites construídos pela civilização e ditados cogente e imperativamente pelas leis, não sendo possíveis respostas que excedam ao determinado por elas. O excesso não é outra coisa senão violência injusta, máxime quando praticado por agentes do próprio estado, pagos pelos cofres públicos e, em tese, preparados exatamente para impedir as injustiças. Na teoria psicanalítica, há vertentes que afirmam que os agentes encarregados da reação penal podem, muitas vezes, identificar-se em demasia com a sociedade punitiva, descarregando seus impulsos agressivos na pessoa do suposto infrator. Com ou sem motivos psicológicos, todos nós sabemos onde termina esta história: torturas, violências covardes, constrangimentos ilegais.
Ninguém em sã consciência nega a possibilidade de ação e reação legal dos agentes do sistema penal. Em direito, há uma norma que torna lícito o comportamento daquele que age no cumprimento de um dever legal. Nenhum juiz é tão obtuso a ponto de não considerar, nesses casos, o excesso de adrenalina, as tensões havidas no embate, as circunstâncias da espécie, o histórico de honradez dos agentes. Ninguém que tenha o mínimo de sensibilidade deixa de se comover quando os agentes públicos tombam no exercício de sua função, tampouco deixa de reclamar melhores condições para a melhora de seu serviço. Por outro lado, não há motivo algum para legitimar ações deliberadamente excessivas. Não é possível, sob qualquer pretexto, permitir, a quem quer que seja, uma licença para matar, fazer sofrer, detratar, manipular, tripudiar, banir qualquer pessoa, ainda que ela venha a ser um facínora.
As instituições que defendem os direitos humanos servem, exatamente, para fiscalizar o Estado e seus agentes quando de suas respostas, lembrando que o ser humano, só pelo fato de ser Ser Humano, é intangível quanto a certos direitos. Não há proteção a “bandidos”, não há inibição às ações policiais enérgicas, há, isso sim, vigília pela coibição e repressão aos excessos indevidos e a afirmação, constante, do pacto civilizatório contra a barbárie.
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