O pensamento cristão de que só os seres humanos carregam consigo uma alma fundiu-se na cultura ocidental com a física cartesiana, a qual pretendeu demonstrar que o universo não seria um “grande vivente” como pensavam os antigos, que a natureza seria inanimada e o mundo material não teria espírito, sequer vida e até mesmo força, reduzido, por completo, às dimensões da extensão e do movimento. Ao ser humano caberia, daí por diante, todos os direitos e nenhum à natureza e aos animais, ainda que criados por Deus. Ambas as concepções, embora diferenciadas, acabaram por produzir a definição do homem como o único protagonista do cosmos, situando-o acima da natureza que goza apenas de um valor instrumental.
Mas serão os direitos única e exclusivamente do ser humano? Será possível afirmar a superioridade do homem em relação ao “resto” do universo? Por mais paradoxais que sejam – o cristianismo, com a crença da exclusividade da alma, e a física cartesiana, centrada na fé suprema na razão – levaram o ocidente a acreditar em uma resposta definitivamente afirmativa para essas perguntas. Contudo, tanto a razão, com suas infinitas conquistas, como fé, com sua experiência de transcendência, já nos permite enxergar a inteligibilidade, ou o espírito da própria natureza cujo sentido não é, de modo algum, dado pelo homem, mas por ela própria.
No momento em que vivemos, não há mais como separar os seres humanos, nem absolutamente nada, do meio ambiente natural. Os homens são apenas partes na organização de toda a vida no planeta, e o mundo só pode ser visto como uma rede de fenômenos interconectados e interdependentes. Conforme sentenciou o velho chefe sioux, “o que acontecer à terra acontecerá aos filhos da terra”. Nada obstante a confirmação científica de tais assertivas, as práticas dos homens permanecem desobedecendo a essa lógica, levando as pessoas a uma forte desilusão e a um marcado ceticismo quanto o atual estágio da civilização humana, a ponto de existirem correntes que entendem o ser humano como um impasse da natureza, fazendo ver que melhor seria se nos retirássemos da cena planetária, em razão de só sabermos destruir. Tais quais os dinossauros estaríamos, também, fadados a desaparecer.
A complexidade do nosso tempo gera as mais diversas perspectivas, entrementes não podemos perder de vista que a crise ambiental que vivenciamos tem como característica marcante o fato de ter sido por nós desencadeada. E, se foi por nós criada, temos a responsabilidade de procurar soluções para dirimir o aumento da degradação do meio ambiente, ao mesmo tempo em que devemos sanar os estragos já produzidos.
É correto, parece-me, vislumbrar o homem em uma posição sobranceira na terra, porém, como tudo na modernidade, essa posição é relativa. O ser humano agora está no centro porque gerou a crise ambiental e tem por obrigação contê-la e sanar suas conseqüências, não porque seja completamente superior aos outros seres. O direito caminha na atualidade rumo a um fundamento ecocêntrico, pretendendo uma extensão dos valores humanistas aos demais seres vivos e, em alguns casos, até não-vivos, relativizando a posição do ser humano, limitando suas prerrogativas na medida em que impõe restrições aos seus comportamentos que reduzem a diversidade e riqueza das formas da natureza, salvo, é claro, para satisfação de suas necessidades vitais.
Isso não significa, em absoluto, abjurar o fato de que a ordem jurídica foi criada pelo e para o ser humano, todavia demonstra a necessidade do dever de aproximação dos homens com o espaço telúrico, considerado fundamental para o bem estar de todos os seres viventes, de todos os que hoje habitamos o planeta e, certamente, daqueles que virão depois de nós.
Um comentário:
Olá, prof. Alberto Jorge. Aproveitando a postagem sobre meio ambiente, estive procurando sua tese de doutorado, mas não está disponibilizada nas coleções da UFAL.. Já que estou preparando o trabalho final da matéria do mestrado em responsabilidade da pessoa jurídica, acredito que encontraria algum direcionamento relevante para acrescentar ao trabalho. Então, enquanto o livro não sair, só mesmo em Recife? Obrigada, Luciana.
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