domingo, 2 de dezembro de 2012

DOS DELITOS, DAS PENAS E DOS OTÁRIOS



“Não me venham falar de pesquisa sobre as condições das prisões brasileiras”,  digo sempre aos meus alunos. É que todos nós já sabemos que o governo não investe no sistema penitenciário e os problemas podem ser verificados por qualquer pessoa comum, sem qualquer rigor sociológico.  

As prisões no Brasil, afora algumas exceções que, é bom que se diga, existem, são péssimas. Conhecemos bem suas condições precárias, embora em algumas delas e para algumas categorias de detentos se achem celas com frigobares, televisão de plasma, espaço mais generoso, nada que se assemelhem as masmorras medievais.

O discurso do Ministro da Justiça, firmando que preferia morrer a ter que ir para as prisões brasileiras, revela, para além de uma afirmação de incompetência, um mote ignominioso para ser reverberado no Supremo por àqueles que se opõe a condenação da cúpula petista responsável por crimes de corrupção ativa, peculato e quadrilha ou bando.

A prisão, diferente do que afirmou Toffoli, ecoando o discurso de Cardoso, revela-se sim, como nenhuma outra, uma sanção pedagógica para o crime de corrupção. E o é porque dissuade, em certa medida, o comportamento criminoso e, por outro lado, estimula as pessoas que não são corruptas a continuarem seguindo uma vida reta. Para além, a prisão dos corruptos inibe o sentimento de impunidade presente nos criminosos comuns, rompendo a lógica perversa de divisão de classes na aplicação das penas, que lhes serve de mote e estímulo para prática de crimes violentos: “meu cartão de crédito é uma navalha”, lembram?

A pedagogia das penas privativas de liberdade não tem nada a ver com a ressocialização, que, aliás, é uma deformação classista se a imaginarmos com o viés tosco propagado no Supremo por Toffoli, pois parte da ideia de que as prisões só servem para os desvalidos de cultura, dinheiro e educação, afinal como poderíamos ressocializar José Dirceu, Ramon Hollerbach, ou a banqueira “bailarina” Kátia Rabello?

Ressocialização não significa uma imposição coativa ao condenado de certos valores, tidos, pela maioria do momento, como corretos, muito menos implica em modificação de sua personalidade, o que seria um absurdo. Só podemos entender ressocialização como uma ação permanente do Estado, durante a execução da pena, no sentido de evitar os efeitos deletérios da prisão, possibilitando ao condenado, se assim ele o quiser, que refaça sua vida numa trajetória destinada à convivência futura.

Não podemos cair na conversa de que as penas aplicadas pelo Supremo aos corruptos na Ação Penal 470 foram duras, ou pior, de que o Brasil utiliza em demasia a pena de prisão. Prisão, entre nós, é raríssima para os crimes do colarinho branco e, mesmo para os crimes em que o Sistema Penal mais atua (furto, roubo, tráfico, homicídio), nossas sanções são, na verdade, frouxas. Nos Estados Unidos, Bernard Madoff, o autor de uma fraude bilionária contra o sistema financeiro, foi condenado a 150 anos de prisão em 2009. Lá, diferente daqui, ninguém é capaz de engolir o pagamento de multa como pena suficiente para este tipo de delito, afinal há bem menos energúmenos capazes de aceitar uma paga de 10% como sanção e no bolso a permanência de 90% que pertence aos outros.

Se a corrupção é uma espécie de mãe dos mais violentos crimes, até por razões de proporcionalidade, as sanções carecem de mais rigor, afinal como pregou Vieira: 

"O ladrão que furta para comer, não vai, nem leva ao inferno; os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões, de maior calibre e de mais alta esfera. (...) os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. - Os outros ladrões roubam um homem: estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco: estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam".

Um comentário:

Mariana Melo disse...

Concordo plenamente, Professor Alberto Jorge.

E isto quando não são beneficiados com penas restritivas de direito e o pagamento de uma multa ínfima em relação ao crime perpetrado.

De fato, o crime compensa no Brasil. Afinal, muitos não são investigados; outros, por falta de uma instrução processual célere e escorreita, sequer são apenados e, quando o são, resultam em uma pena irrisória.

Lamentável.