No Direito e, especialmente, no Direito Penal o legislador e o juiz, se movem, no marco do Estado democrático, que tem como fundamento a dignidade humana e como objetivo o bem de todos, como um prisioneiro no seu cárcere, para usar da imagem de EDUARDO COUTURE. De modo algum estes atores podem ser arbitrários na criminalização ou mesmo na descriminalização de condutas.
Há uma série de limites ditados pelas normas constitucionais, mormente pelos princípios constitucionais penais e os mandamentos de criminalização, a esses agentes.
Para o legislador, os influxos dos princípios e mandamentos reportados condicionam-no no momento da feitura das normas criminalizadoras e descriminalizadoras e, para o juiz, há uma série de condicionamentos posteriores, ou seja, na interpretação e aplicação das normas editadas.
Sabe-se que a inconstitucionalidade decorrente da contrariedade entre uma regra legal e uma regra constitucional, diante do maior grau de determinabilidade e menor grau de abstração das regras, é de verificação mais fácil, pois que depende da interpretação de ambas as regras. Todavia, a inconstitucionalidade resultante da contrariedade entre uma regra legal e um princípio constitucional, que é muito mais grave, por vezes, tem-se maior dificuldade de percepção, ante o elevado grau de abstração dos princípios. Ademais, os próprios princípios constitucionais são responsáveis pelos critérios hauridos pelos juízes para a determinação de inconstitucionalidade das normas que os maltratem.
Os princípios constitucionais penais, bem assim os princípios constitucionais influentes em matéria penal, vistos, modernamente, como normas jurídicas, não obstante as contradições e o sincretismo existente na obra de alguns autores nacionais, determinam uma série de condicionantes não só para aplicação de leis criminalizadoras, mas também para sua própria criação. Só para demonstrar com um exemplo, não é possível que o legislador criminalize inclinações interiores por força do princípio constitucional penal da ofensividade. Ainda que se pudesse antever uma idéia criminosa, hipótese aventada na película “Minority Report – A Nova Lei”, dirigida por Spielberg e baseada em um conto do escritor americano Philip K. Dick, seria impossível prever sua materialização contextual (se haveria exteriorização e como se exteriorizaria), conforme o próprio filme deixa evidenciado ao final.
Já os chamados mandamentos constitucionais criminalizadores – compreendidos como normas constitucionais que recrudescem o tratamento penal –, mesmo interpretados em conformidade com os influxos dos princípios constitucionais penais, rompem com as utopias delirantes do abolicionismo, centrando-se na necessidade do funcionamento do Direito Penal, ao menos para conter as tensões causadas na coletividade pelo cometimento dos delitos. A afetação dos direitos fundamentais ocorre, também, com as conseqüências das infrações, em particular as de especial gravidade. Os mandamentos constitucionais de criminalização tanto obrigam ao legislador tutelar criminalmente determinado bem jurídico, como impedem a ele de descriminalizar determinados comportamentos. O estupro pode até ser fundido com o atentado violento ao pudor, como ocorreu com a recente modificação da Parte Especial do Código Penal com a edição da Lei 12.015 de 07 de agosto de 2009, mas nunca descriminalizado.
Não obstante, parece-me cediço que para fazer funcionar o sistema de justiça criminal, antes de mais nada, é preciso (re)legitimá-lo. Propugnamos, por isso, em nosso trabalho (Direito Penal Constitucional) uma dogmática que traduza um rígido controle nas instâncias criminalizadoras e descriminalizadoras, que torne possível, por exemplo, conter a inflação de leis criminalizadoras, as quais não têm qualquer efetividade, não ofendem bens jurídicos importantes e contribuem, seriamente, para a crença na impunidade.
Para estes propósitos, é fundamental fixar o conceito de princípios; distinguir a teoria da metodologia jurídica tradicional, que não os considera norma, das concepções que revelam sua natureza normativa; diferenciá-los das regras, evidenciando sua posição sobranceira no ordenamento jurídico; enfocar a dignidade humana, fundamento da República Federativa do Brasil, como sustentáculos dos princípios constitucionais penais implícitos e expressos no texto da Carta Federal.
Os princípios constitucionais penais, assim, não são meros guias, ou indicativos de boas intenções como antes compreendia a doutrina, são normas jurídicas constitucionais cuja compreensão, no Estado Democrático de Direito, não pode ser feita isoladamente, há uma necessária correlação entre eles. A significação prática de uma interdependência entre os princípios implica que o descumprimento de qualquer um resultará em maltrato a uma superior legalidade material da Constituição que os condensa e lhes dá sentido.
2 comentários:
Olá Alberto Jorge, parabéns pelo blog. Desde já sigo-o. Se puder acesse meu blog e leia artigo sobre a DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E “O PROCESSO” DE FRANZ KAFKA: www.marapauladearaujo.blogspot.com
Felicidades
Caríssima Mara,
Obrigado.
Li seu artigo e é muito bom que vc tenha escrito sobre democracia participativa, algo pouco lembrado entre nós.
Kafka com o seu realismo fantástico é um dos meus autores preferidos.
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