domingo, 17 de maio de 2009

ENTRE AS IMUNIDADES PARLAMENTARES E A IMPUNIDADE PENAL


O artigo que segue, publicado em um matutino local, é um resumo das minhas preocupações com o aumento da criminalidade, especialmente a criminalidade organizada, de uma categoria especial de agentes públicos/políticos: os parlamentares. O envolvimento de vereadores, deputados estaduais e federais e senadores com delitos das mais variadas espécies, de homicídios a corrupção e lavagem de dinheiro, tem sido notícia constante, com destaque para impunidade destes agentes. Em Alagoas, já houve quem chegou a afirmar que gostaria de ser deputado por conta das imunidades. Como não podemos esperar muito de um parlamento comprometido como o nosso (veja, por exemplo, a Emenda 45 que mudou o tratamento das imunidades para tudo continuar como antes), é preciso uma interpretação consentânea com os influxos do princípio constitucional da igualdade. Neste sentido, o STF deu um passo importante com o julgamento do HC 89.417. Nele, a Ministra Cármen Lúcia asseverou: a norma constitucional que cuida da imunidade parlamentar e da proibição de prisão do membro de órgão legislativo não pode ser tomada em sua literalidade, menos ainda como regra isolada do sistema constitucional. Os princípios determinam a interpretação e aplicação corretas da norma, sempre se considerando os fins a que ela se destina. Tomara que o Supremo, que como vimos na postagem anterior, não tem posição institucional, comece a firmá-la trilhando este entendimento.

Na Revista “Direito e Deveres” da Faculdade de Direito da UFAL, já no prelo, há um excelente ensaio, oriundo de um TCC, no qual fui orientador, que trata cuidadosamente do instituto das imunidades parlamentares. Recomendo.


Defendia Hannah Arendt a necessidade vital da afirmação do espaço político nas sociedades modernas, sociedades em que a condição humana revelou-se mais individual e econômica do que política e coletiva. Para ela, o mundo só pode ser compreendido como aquele no qual “pertencemos enquanto somos no plural”. Seguindo seus passos é possível entender os limites da modernidade que apenas avançou para uma democracia representativa e não até uma democracia participativa. De todo modo, é inegável a importância das democracias atuais e a correspondente atuação dos nossos representantes para a preservação da organização política e contra a ameaça do totalitarismo, tão rechaçado na obra arendtiana.

Ninguém questiona o valor dos parlamentos na construção permanente das democracias, bem como parece incontestável a necessidade de certas garantias para o livre exercício da atuação parlamentar. Estas garantias, hoje chamadas, genericamente, de imunidades parlamentares, foram gestadas, com os contornos atuais, no processo revolucionário francês, de onde se difundiram, ao longo dos anos, por toda a Europa. Embora mantidas, na atualidade, por países de forte tradição democrática, seu delineamento é exclusivamente restrito aos limites da atuação de senadores e deputados e, portanto, bem diferenciado daquele havido na Constituição brasileira e nas respectivas interpretações aqui produzidas.

Com um Judiciário independente, sem qualquer subordinação ao Executivo, consoante se afigura com o aprimoramento do sistema de separação de poderes, perde sentido o apego às imunidades conforme geradas na França revolucionária por receio dos juízes vinculados ao príncipe. Só para exemplificar, na França, dos nossos dias, as imunidades parlamentares são restritas às opiniões ou votos emitidos pelos parlamentares, os quais, fora das sessões do parlamento, podem ser presos como qualquer cidadão. Nos Estados Unidos os congressistas respondem pelos crimes comuns perante os juízes de primeiro grau, sem nenhum tipo de privilégio.

No Brasil, as imunidades vão muito além da necessária proteção aos votos e às opiniões relativas à ação parlamentar de senadores, deputados e vereadores. Elas se estendem para manifestações privadas, completamente desvinculadas da função de fiscalização da coisa pública e alcançam até as prerrogativas processuais, na verdade privilégios concedidos a senadores, deputados federais e deputados estaduais. As prerrogativas, da maneira como são correntemente compreendidas, chegam ao cúmulo de impedirem, por exemplo, a prisão de um parlamentar determinada pela Justiça por conta de um estupro, ou qualquer outro delito. As prerrogativas autorizam as Casas dos parlamentares processados a suspender, desde que decidido por maioria, a tramitação de um processo criminal por homicídio, corrupção passiva, ou outro crime comum. As prerrogativas determinam que deputados e senadores e até autoridades dos Poderes Executivo e Judiciário, sejam julgados por juízes diferentes daqueles que julgam o povo.

Não é sem motivos, pois, que construção da sistemática das imunidades, entre nós, levou, no decorrer dos anos, a uma impunidade escancarada de membros do parlamento federal e estadual, denunciada abertamente pela imprensa e por muitos juristas. Do modo como vêm sendo produzidas e interpretadas, constituem-se, sem quaisquer exageros, em uma licença para o crime, em uma autorização para delinqüir.

No Estado Democrático de Direito, as imunidades somente podem vingar como prerrogativa que objetiva garantir, exclusivamente, o livre exercício da função parlamentar. E mesmo diante de um sistema constitucional que precisa de modificação, só encontram significado quando o crime cometido pelo parlamentar estiver estritamente vinculado a sua atuação prevista em lei. Seria ofender, abertamente, o princípio constitucional da igualdade, reconhecido pela Constituição como Direito Fundamental, admitir a utilização dessa técnica para afiançar os crimes comuns praticados pelos parlamentares. Já é hora do Judiciário filiar-se, em suas interpretações, a essa tendência contemporânea.

3 comentários:

pccomando águia dourada disse...

Interessante o seu blog. É relevante o seu interesse em publicar matérias de interesse de internautas que buscam acompanhar o que há de novo na área de Direito.
Parabens pela iniciativa. Aparecida

Catarina Quixabeira disse...

O Poder é a grande prova do homem na terra.Pode ser bem ou mal utilizado.Muitos ingenuamente acham que os políticos são benfeitores e seres acima de todos.Poucos resistem diante desta prova.Precisamos pacificamente nas urnas mostrarmos nossa indignação diante dos absurdos e injustiças.
Parabéns por ser um disseminador de tantas informações.

Daniela disse...

porque a emenda 45 mudou o tratamento das imunidades para tudo continuar como antes? oque está escrito nela que se refe a tal?
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