O título deste artigo é
uma homenagem a Miguel Reale, um dos mais importantes jusfilósofos brasileiros,
escritor de um denso texto com o mesmo nome. Citando Heidegger, afirmava ele
que todos nós estamos destinados a nossa morte. Este é um fato futuro e certo,
inexorável, e que mesmo Lázaro, ressuscitado, teve que sucumbir novamente – ao
menos não me consta que ainda esteja vivo. Todavia, é legítimo que o Estado sob
o argumento da aplicação de uma pena – mesmo para crimes bárbaros –, possa retirar
a vida do indivíduo? Dizia Reale que não, e argumentava que a própria locução
“pena de morte” é antitética, porquanto a ideia de pena pressupõe alguém vivo
para cumpri-la. A chamada “pena de morte”, não seria outra coisa senão uma
antecipação do momento particular final que destrói não só o sujeito físico
como a pessoa em sua representação social e jurídica.
No pacto social, pressuposto que nos conduziu, no ocidente, a formação do Estado Moderno, não restou consentido à possibilidade de cessão da vida, mas tão só de parte da nossa liberdade. Para além, a morte aplicada como sanção, a luz de tantas pesquisas, não reduz a criminalidade e sempre pode provocar a suprema injustiça com os inocentes, afinal dela, seguramente, não há volta.
Em uma perspectiva teológica escreveu São Tomas de Aquino que só Deus decide o momento que devemos morrer. Por mais absurdo que pareça, algumas nações, de tão apegadas a essa prédica, já puniram a tentativa de suicídio com a pena de morte e muitos cristãos que conhecemos são favoráveis a ela para certos crimes.
Há quem sustente que o ser humano e suas características únicas e fundamentais – liberdade, dignidade, fim próprio – são, na verdade, anteriores e superiores ao Direito, que, com o Estado, constituem simples meios quando se consideram em relação aos valores supremos da pessoa. Em um aporte antropocêntrico, Kant afirmava que homem é o único ser que não pode ser considerado meio para qualquer fim, porque ele é um fim em si mesmo. Desse modo o condenado não pode ser tratado como “meio” ou coisa, senão como um “fim” ou pessoa. O valor da pessoa humana implica, assim, uma limitação fundamental e perene do Estado, independente das razões utilitárias ou quaisquer outras que venham a surgir.
Isso não significa deixar de lado a responsabilização do delinquente, tampouco que o cumprimento da pena, especialmente da pena privativa de liberdade, se dê sem dano, sem dor, sem angústia, o que seria utópico. Penalizar, pois, é possível e necessário, entretanto não se pode fazer da pena a violência contra a violência, máxime porque enquanto no delito a violência costuma ser ocasional e, às vezes, impulsiva, a violência da sanção é programada, consciente, organizada por muitos contra um só.
A execução do traficante brasileiro, na distante e insólita Indonésia, causou, entre nós, tanto indignação, quanto apoio. A indignação ocorreu, entre outros motivos, pelo paralelo entre a pena de prisão imposta para terroristas indonésios, já libertados, e a execução de estrangeiros por tráfico de drogas, que revelaria desproporcionalidade e deslegitimaria o sistema jurídico daquele país.
O apoio – parece que da maioria – é, contudo compreensível. Primeiro porque a sanção ocorreu sob paradigmas formais e estabelecidos previamente, em que o condenado defendeu-se, diferente do que acontece no Brasil onde a “pena de morte” é diária e uma via usada tanto por agentes do Estado, como por bandidos, relacionada, muitas vezes, exatamente, por problemas com drogas. Segundo, e mais importante, porque a sensação de impunidade aqui existente não é fruto do caleidoscópio da mídia sensacionalista, mas real: nosso sistema penal é frouxo e não intimida, derrapando para insegurança diária que oprime a todos.
A morte de alguém, finalmente, para além do mistério que envolve, é a primeira resposta encontrada por nosso instinto quando maltratado o nosso ego. No fundo, mesmo os mais humanistas e intransigentes defensores da abolição da pena capital não podem escapar dos impulsos recônditos que os fazem, por vezes, desejar a morte – suprema ironia – daqueles que são, somente, contrários as suas ideias. Que o eterno Eros, seguindo a profecia freudiana, desdobre suas forças para se afirmar neste embate entre o primitivo que habita em nós e a civilização que precisamos para conviver.
No pacto social, pressuposto que nos conduziu, no ocidente, a formação do Estado Moderno, não restou consentido à possibilidade de cessão da vida, mas tão só de parte da nossa liberdade. Para além, a morte aplicada como sanção, a luz de tantas pesquisas, não reduz a criminalidade e sempre pode provocar a suprema injustiça com os inocentes, afinal dela, seguramente, não há volta.
Em uma perspectiva teológica escreveu São Tomas de Aquino que só Deus decide o momento que devemos morrer. Por mais absurdo que pareça, algumas nações, de tão apegadas a essa prédica, já puniram a tentativa de suicídio com a pena de morte e muitos cristãos que conhecemos são favoráveis a ela para certos crimes.
Há quem sustente que o ser humano e suas características únicas e fundamentais – liberdade, dignidade, fim próprio – são, na verdade, anteriores e superiores ao Direito, que, com o Estado, constituem simples meios quando se consideram em relação aos valores supremos da pessoa. Em um aporte antropocêntrico, Kant afirmava que homem é o único ser que não pode ser considerado meio para qualquer fim, porque ele é um fim em si mesmo. Desse modo o condenado não pode ser tratado como “meio” ou coisa, senão como um “fim” ou pessoa. O valor da pessoa humana implica, assim, uma limitação fundamental e perene do Estado, independente das razões utilitárias ou quaisquer outras que venham a surgir.
Isso não significa deixar de lado a responsabilização do delinquente, tampouco que o cumprimento da pena, especialmente da pena privativa de liberdade, se dê sem dano, sem dor, sem angústia, o que seria utópico. Penalizar, pois, é possível e necessário, entretanto não se pode fazer da pena a violência contra a violência, máxime porque enquanto no delito a violência costuma ser ocasional e, às vezes, impulsiva, a violência da sanção é programada, consciente, organizada por muitos contra um só.
A execução do traficante brasileiro, na distante e insólita Indonésia, causou, entre nós, tanto indignação, quanto apoio. A indignação ocorreu, entre outros motivos, pelo paralelo entre a pena de prisão imposta para terroristas indonésios, já libertados, e a execução de estrangeiros por tráfico de drogas, que revelaria desproporcionalidade e deslegitimaria o sistema jurídico daquele país.
O apoio – parece que da maioria – é, contudo compreensível. Primeiro porque a sanção ocorreu sob paradigmas formais e estabelecidos previamente, em que o condenado defendeu-se, diferente do que acontece no Brasil onde a “pena de morte” é diária e uma via usada tanto por agentes do Estado, como por bandidos, relacionada, muitas vezes, exatamente, por problemas com drogas. Segundo, e mais importante, porque a sensação de impunidade aqui existente não é fruto do caleidoscópio da mídia sensacionalista, mas real: nosso sistema penal é frouxo e não intimida, derrapando para insegurança diária que oprime a todos.
A morte de alguém, finalmente, para além do mistério que envolve, é a primeira resposta encontrada por nosso instinto quando maltratado o nosso ego. No fundo, mesmo os mais humanistas e intransigentes defensores da abolição da pena capital não podem escapar dos impulsos recônditos que os fazem, por vezes, desejar a morte – suprema ironia – daqueles que são, somente, contrários as suas ideias. Que o eterno Eros, seguindo a profecia freudiana, desdobre suas forças para se afirmar neste embate entre o primitivo que habita em nós e a civilização que precisamos para conviver.
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