O Supremo Tribunal Federal ainda não concluiu o julgamento, no entanto, pelo que ficou acertado pela maioria esmagadora dos seus Ministros, com a exceção de um só deles, a Lei Estadual 6.806/20007, que instituiu a 17ª Vara Criminal do Estado de Alagoas é sim Constitucional. Embora o voto do Relator tenha se encaminhado para a manutenção completa do estatuído na Lei Estadual, a proposta pela chamada “interpretação conforme” terminou por alargar a competência desta unidade judiciária.
Explico: a divergência principal entre os Ministros cingiu-se à questão do conceito de crime organizado, alguns deles achavam que a Lei Estadual não poderia fazê-lo, embora eu continue a afirmar que pode: a definição de crime organizado, bem como o de organização criminosa serve, só e tão só, para fixação de competência de juízo, tarefa, nas unidades federativas, das leis estaduais de organização judiciária, como bem acentuou no julgamento o Presidente Ayres Brito, e mais, essa não é uma definição de tipo penal incriminador, senão uma classificação doutrinária de crimes.
Mas, quando o Relator acatou a proposta de “interpretação conforme a Constituição”, definiu-se que os crimes listados nos itens I a X do artigo 9º da Lei Estadual (mantidos) poderiam ser processados perante a 17ª Vara Criminal, desde que se substituísse o conceito de crime organizado e de organização criminosa procedidos nos artigos 1º, 9º e 10º (afastados neste particular) da Lei Estadual, por aquele previsto na Lei Federal 9.034/1995, que é muito mais aberto, vez que seu artigo 1º reporta-se à “quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo”. Ora, não havendo mais as restrições dadas pelos caputs do artigo 1º, 9º e 10º da Lei Estadual, os quais limitavam a competência por um conceito mais fechado (o conceito doutrinário de crime organizado), a 17ª vara poderá ter, na prática, suas atribuições ampliadas.
É, entretanto, muito cedo para ter como seguro alguma coisa, qualquer entendimento pode acabar prejudicado, a uma porque o julgamento ainda não foi concluído (os Ministros podem, mas é difícil, modificar seus votos e restam abertos outros pontos), a duas por conta da ausência do Voto vencedor escrito (só com ele será possível firmar as modulações realizadas pelo STF em uma “interpretação conforme a Constituição”).
Finalmente, para um professor de Direito Penal, foi difícil assistir a discussão acerca do conceito de crime organizado. Repriso: esse conceito, extraído da Convenção de Palermo (reconhecida entre nós como Lei Federal), é pertinente a uma classificação feita pela doutrina, uma nomenclatura dada pelos doutos às características que possuem vários tipos penais (estes , sim, incriminadores). Não diz respeito, portanto, à criação de um delito. O princípio da legalidade penal, destarte, em nenhum momento foi ferido, porque a Lei Estadual não criou crime (tipo penal, tipo incriminador), nem, tampouco, definiu penas. Também por isso, não se feriu a reserva de competência da União. Ninguém é processado na 17ª Vara por “Crime Organizado”, categoria que serve, somente, para caracterizar a maneira através da qual são cometidos os crimes de homicídio, estupro, corrupção, entre outros, estes sim operados pela 17ª e com definição expressa em Lei Federal. A pergunta que deveria ter sido feita e não foi é: a Lei Estadual pode definir categoria doutrinária para fins de competência de suas Unidades? Mesmo sem a pergunta a resposta foi dada: sim, e pelo Presidente da Suprema Corte, pois segundo a Constituição Federal, isso é matéria de organização judiciária, nunca de Direito Penal positivado.
Como será o desfecho? A prudência manda aguardar o término do julgamento.