sábado, 17 de dezembro de 2011

DE MENTIROSOS E RECALCADOS: BLOGS, ARTIGOS E COMENTÁRIOS DIFAMATÓRIOS NO MUNDO VIRTUAL


“A calúnia vive por transmissão, alojada para sempre onde encontra terreno.” (SHAKESPEARE, A Comédia dos Erros, Ato III, palavras de Baltasar).

“Como podeis falar coisas boas, sendo maus? Porque a boca fala do que lhe transborda o coração. O homem bom tira do tesouro bom coisas boas; mas o homem mau do mau tesouro tira coisas más. Digo-vos que de toda palavra frívola que proferirem os homens, dela darão conta no dia do Juízo; porque, pelas tuas palavras, serás justificado e, pelas tuas palavras, serás condenado." (MATEUS, 12:33-37).

A internet revelou-se, como nenhum outro, um meio de propagação midiática imediato, nela as notícias chegam primeiro. Permitiu uma abertura impressionante para a transmissão do pensamento, mas, inobstante a tal “democratização”, trouxe consigo uma série de efeitos colaterais, desde a erronia de informações, o que pode ser conferido, por exemplo, em sítios como a Wikipédia, até a difusão dos crimes contra a honra. Todavia, chama muito a atenção o lixo virtual: de um lado impropérios e asneiras em meio a uma ignorância assustadora do vernáculo, do outro o alastramento de um velho conhecido fenômeno psicológico: o recalque.

Para além, a excessiva abertura de informações produziu, colateralmente, uma acentuada e progressiva descrença nas próprias informações fornecidas. Isto aconteceu, em um primeiro momento, em relação à mídia tradicional. Começamos desconfiando da uniformidade das notícias divulgadas pelas agências e jornais pertencentes a certas famílias no Brasil. Suspeitamos se havia liberdade dos jornalistas ou fidelidade ao emprego e ao patrão. Duvidamos se os relatos eram reais ou plantados por “patrocinadores”. E, então, a profusão contraposta de fatos jornalísticos que se desenvolveu com a internet nos fez, definitivamente, expectadores descrentes, afinal, em um mundo de tantas versões, em quem confiar? 

Surgiu, por todos os lados, uma avalanche de novos gestores da moral, surfando nas ondas virtuais opiniões risíveis, desfilando virtudes que não são suas, arrotando vitupérios que só impressionam incautos provincianos. Eles próprios, alimentam sua estupidez, em um processo de egomania e egocentrismo, postando comentários nas suas páginas com nomes fictícios, em um anonimato de estelionatários. Mas, também, há terceiros que se servem de igual tipo de fraude, para, se ocultando, poder detratar as pessoas. Em ambos os casos verifica-se, como provável, o processo psicológico de recalque, que Freud descreveu como sendo uma séria neurose sexual. Derrotados, fracassados, pobres de espírito em lugar de voltar-se para si, insultam os outros transferindo suas frustrações, em um mecanismo de projeção, para um bode expiatório. Aventureiros de todo o tipo e criminosos, aproveitam-se, doutra banda, para, no anonimato - coisa comum nos deficientes morais -, vomitar suas infâmias com os mais nefastos propósitos.
             
A credibilidade das informações, neste contexto, passa a ser avaliada pelo histórico de quem as produz - o que em uma sociedade complexa e de massas, é difícil aferir -, ou pela tecnicidade do escrito - o que, mesmo assim, pode ser relativizado em face da complexidade ou amplitude de posições defensáveis em determinadas searas. Resta, pelo menos aos avisados, a facilidade de perceber os embustes diante das atecnias grosseiras e das bizarrices cometidas.
            
Mesmo sem um marco regulatório e com a ab-rogação da Lei de Imprensa declarada pelo STF, não há qualquer óbice técnico-dogmático para o ingresso judicial contra os autores das informações, os autores dos comentários (o hospedeiro tem obrigação de fornecer o IP) e o próprio hospedeiro, responsável que é pela divulgação, forte no princípio de que os direitos trazem consigo os correlatos deveres. Assim, tanto a esfera criminal, com a previsão dos delitos capitulados nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal (calúnia, difamação e injúria), como a cível, verificada as disposições concernentes a indenização por dano moral e eventual dano material no Código Civil, podem e devem ser utilizadas para a tutela dos direitos da personalidade lesionados, ainda que por meio virtual. É um caminho para a punição dos canalhas e, de certo modo, não deixa de ser um tratamento para o recalque.  

Um comentário:

Jéssica Nunes disse...

“Nós criamos uma civilização global em que elementos cruciais - como as comunicações, o comércio, a educação e até a instituição democrática do voto - dependem profundamente da ciência e da tecnologia. Também criamos uma ordem em que quase ninguém compreende a ciência e a tecnologia. É uma receita para o desastre. Podemos escapar ilesos por algum tempo, porém, mais cedo ou mais tarde, essa mistura inflamável de ignorância e poder vai explodir na nossa cara.” Dizeres de Carl Sagan, em “O Mundo Assombrado pelos Demônios” (1997, p. 39).
Talvez, não seja tão difícil punir, os alelos recessivos que possuem uma página de relacionamento no ciberespaço, e prolatam impropérios desmedidos atingindo, a esfera jurídica de terceiros. Nada obstante, em hodierno possuir habilidades na área informática, faz um “garoto” se igualar ou até sobrepujar policiais treinados. Os criminosos mascarados utilizam um teclado e um mouse. Vez que, não precisam trocar tiros com a polícia, pois a criptografia ensinada nos livros e no próprio espaço-tempo cibernético torna este sem fronteiras e aparentemente sem regras. Contudo, mesmo que o universo oceânico de informações seja trasladado através de meios físicos, sendo uma extensão do espaço real, o acesso aos registros dos provedores, é tarefa laboriosa, inundada de insegurança. A extensão dos delitos nunca é plenamente conhecida.
O ser humano é provido de capacidade criativa infinita, porém, há muito a distinção entre original e cópia perdeu qualquer pertinência. As interações, em vez de enriquecer o conhecimento, e impulsionar um vetor para inteligência e criação coletiva, como aspira Pierre Lévy, abre espaço para um número colossal de sistemas e plataformas, que possibilitam a impunidade.

Lúcido texto professor. Abraços!