A midiática celeuma sobre os poderes correicionais do CNJ encerrou o mês de setembro e inaugurou outubro lançando muito mais obscuridade do que luzes para o incauto público.
Vamos para o óbvio:
1) 1) Existem juízes corruptos? Em todo lugar do mundo, em especial nos países periféricos como o Brasil. Claro que não podemos esquecer o corruptor ativo. Partes e advogados, portanto, são peças que participam das engrenagens do crime de corrupção. Muito menos podemos olvidar a maioria decente.
2) 2) É preciso punição para os corruptos? Induvidosamente. Aliás, se o fato revela-se provado como corrupção, nosso Código Penal, que considero brando, possibilita, no caso de um juiz, pena de 2 a 12 anos de prisão, multa e perda do cargo, sem recebimento de qualquer aposentadoria (confira o artigo 317 e o artigo 92, I do Código Penal). O castigo dos maus é um estímulo aos bons.
3) 3) Há corporativismo na magistratura? Evidentemente, como há na OAB, no Ministério Público, no jornalismo, nos sindicatos e em qualquer agremiação que reúna iguais.
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4) 4) O Conselho Nacional da Magistratura é importante para o afastamento dos juízes no caso de julgamento administrativo? Sem sombra de dúvidas. Afastado das conexões locais, o Conselho é um órgão que diminui, sensivelmente, a interferência de corporativismo, especialmente na magistratura do segundo grau e dos Tribunais Superiores.
Agora, ingressemos naquilo que não foi debatido.
Ninguém duvida, até porque estabelecido na Constituição, que o Conselho é um organismo de controle administrativo dos tribunais e dos juízes brasileiros, com exceção do Supremo Tribunal Federal. É evidente, portanto, que, para além de sua tarefa de planejamento do Poder Judiciário Nacional, ele tem missão correicional e punitiva em face dos magistrados, observado, nunca é demais dizer, o devido processo legal. Essa é a primeira questão chave ocultada do debate.
O órgão exerce suas atribuições através de recomendações, provimentos e resoluções por ele editadas, que não são outra coisa senão atos administrativos estritamente vinculados à Lei e especialmente à Constituição. O Conselho não pode se sobrepor ao sistema de legalidade. Quem compreende o mínimo de Estado Democrático de Direito sabe da submissão de todos ao império da Lei.
Essa questão precisa ser resolvida com a edição do Estatuto da Magistratura, uma Lei Complementar determinada pela própria Constituição (confira o artigo 93) e que não vingou, até hoje, pela inércia do STF a quem cabe a iniciativa. O Estatuto seria fundamental para regular e ditar as possibilidades e os limites do Controle, dispondo sobre os poderes punitivos do CNJ. A Lei Complementar conferiria muito mais legitimidade a essa função, como, também, a dosaria, evitando que o Conselho possa interferir, indevidamente, na jurisdição dos juízes, acanhando ou ameaçando os julgadores quando os interesses de categorias poderosas e de conhecidos lobbys estivessem em jogo. Os bons juízes não podem perder tempo com denúncias vazias pelo destempero das partes perdedoras, tampouco ficar a mercê de manobras de maus advogados, ou daqueles que enxergam o Controle como oportunidade de dar trabalho e dor de cabeça aos juízes decentes.
A segunda questão ocultada envolve o amadurecimento do CNJ. Já vimos que ele possui vantagens no que toca ao corporativismo, no entanto, se as escolhas dos conselheiros permanecerem atreladas às indicações “políticas” como hoje, em parte, estão, teremos, também, julgamentos “políticos”. É preciso indagar como funciona, na prática, a indicação e quem, efetivamente, indica os conselheiros. Quanto mais vigilância da sociedade e da imprensa sobre este problema, melhor.
Os conselheiros precisam ser pessoas absolutamente isentas, totalmente sem compromissos politiqueiros com as instituições que os indicaram. Por isso, creio, é preciso modificar os mecanismos de escolha. Os perigos de um “julgamento” viciado da magistratura, ou os conchavos que podem ocorrer se tal situação se verificar, podem fulminar a credibilidade restante da instituição. É fundamental que o candidato ao Conselho seja honesto e tenha aparência de honestidade. Nenhum postulante poderá ter sido punido penal, administrativamente ou ainda por tribunal de ética.
Os componentes do CNJ, mais do que ninguém, devem ser conhecedores profundos do Judiciário, desde a base, até os tribunais superiores, sabendo bem distinguir a diversidade que envolve a magistratura do Oiapoque ao Chuí. Não basta ostentar um título de Ph.D. ou de Doutor, ainda que uma boa formação acadêmica seja importante, é preciso que ele conheça muito sobre os problemas e as possíveis soluções para o Judiciário. Acredito que somente indivíduos com experiência de, no mínimo, 15 anos, na advocacia militante, na magistratura e/ou no Ministério Público poderiam servir ao Controle.
Assim, observadas determinadas condições de elegibilidade, a exemplo das acima citadas, a Câmara dos Deputados, pela maioria de todos os seus membros ou pela maioria da Comissão de Constituição e Justiça, poderia indicar, em votação aberta, os dois cidadãos de notório saber jurídico e comprovado conhecimento e experiência com o Judiciário brasileiro. Na OAB, o Conselho Federal, em votação aberta e fundamentada, escolheria, por maioria, os dois advogados. No Ministério Público Estadual e Federal vingaria o atual sistema. Na magistratura, cada categoria elegeria os seus representantes através do voto direto de todos os juízes e não das associações, observada a categoria de desembargador e juiz (estadual, federal e trabalhista). Não faz sentido, no entanto, a presença de um membro a mais do Judiciário Trabalhista. Por representar a maioria esmagadora dos juízes no Brasil, a magistratura estadual de primeiro grau elegeria dois nomes. Neste caso, o ministro do TST concorreria com os desembargadores do trabalho por uma única vaga. O Presidente do Supremo continuaria presidindo o Conselho e o ministro do STJ exercendo o cargo de Corregedor, com as indicações ocorrendo conforme os comandos atuais. Ao Senado da República, caberia, afora os casos do Presidente do Supremo e do ministro do STJ, referendar ou não as escolhas. Ao Presidente da República, enfim, competiria a nomeação de todos, inclusive com o poder de veto, o qual seria fundamentado e poderia ser derrubado por maioria qualificada do Senado.
Não podemos deixar que escamoteiem os problemas reais com falsas polêmicas. Não podemos permitir o enfraquecimento da magistratura em nome de prováveis grupelhos que desejam comandar verticalmente os juízes. É preciso tocar nas questões chaves, como a qualificação e forma de escolha dos conselheiros, a legislação pertinente para punições e recursos administrativos e o bizarro sistema processual penal brasileiro que não pune mais ninguém com eficiência. Em sua jurisdição, o magistrado é pleno e suas garantias, prerrogativas e bons vencimentos devem ser preservados, como em qualquer país central, em nome de uma justiça, no mínimo, com padrões razoáveis. Se a questão é a punição dos maus juízes, que eles sejam castigados e que saiam da magistratura. Os bons agradecem e, por isso, não têm medo do CNJ.