O Supremo Tribunal Federal fez história na tarde de ontem. Por unanimidade, a Corte Constitucional Brasileira firmou o reconhecimento da união entre os casais homossexuais, os quais devem desfrutar de direitos semelhantes atribuídos aos pares heterossexuais. O decisum, para além de demonstrar a irradiação dos princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade, fundamenta-se em uma lógica de razoabilidade que distingue, cristalinamente, sexualidade de sexo. E mais, na linha de racionalidade, sem paixões, sem crendices, sem preconceitos, pode-se pontuar como fez o Min. Gilmar Mendes: “o fato da Constituição proteger a união estável entre o homem e a mulher não significa negar a proteção a união do mesmo sexo”, declarada, corretamente, por Lewandowski como entidade familiar.
Chama atenção, no entanto, a rapidez de reação dos setores conservadores, os quais já cravam sua principal crítica na ausência de legitimidade da Corte. Segundo eles, uma decisão de tal magnitude deveria advir do Congresso, o único legitimado para fazer valer a vontade da maioria.
Mas, é preciso não esquecer, antes que se retome a já conhecida cantilena imbecil do “governo dos juízes”, que nos países democráticos, o Poder Judiciário é legitimado a intervir para fazer valer a racionalidade, observado, por evidente, os postulados existentes na Carta Constitucional que lhes serve de guia e, ao mesmo tempo, de limite.
No Brasil de hoje, que conta com uma democracia representativa e não participativa, nossos parlamentares se acovardam no momento de enfrentar os temas polêmicos. Será que não recordamos das campanhas políticas em que conhecidos ateus beijam até os pés dos santos? Não é por acaso, todos sabem, que os projetos polêmicos dormem eternamente em um Congresso pautado pelo fisiologismo. Então, deve-se estranhar menos o protagonismo do Judiciário.
Eu não sei o que pensa sobre o tema a maioria do povo brasileiro, até imagino. Entretanto, não podemos perder de vista, como nos ensina FERRAJOLI, que o primeiro comando de todo e qualquer pacto constitucional não é precisamente que tudo se deva decidir pela maioria, porém que nem tudo se pode decidir (ou não decidir), nem mesmo pela maioria. Nenhuma maioria pode, por exemplo, decidir a supressão de uma minoria. A democracia, arremata o escritor peninsular, por mais perfeita que fosse, seria um regime absoluto ou totalitário, se o poder do povo for nela ilimitado. Não esqueçamos a lição de que o atual Estado Democrático de Direito – superação dos modelos liberal e social – tem como esteio um conjunto de normas que obrigam entre si o próprio Estado e o cidadão, tornando, ambos, sujeitos de soberania reciprocamente limitada.
O direito à isonomia, ontem assegurado aos casais gays, de modo algum significa que eles são iguais aos casais heterossexuais, entretanto, embora haja, sim, diferenças, sobretudo na opção ou vocação de sexualidade, eles devem possuir as mesmas oportunidades jurídicas. A dignidade da pessoa humana, encartada como norma jurídica constitucional, por mais abstrata que seja, determinou um espaço de irradiação que os juízes do Supremo foram obrigados a observar. É que o princípio matiza-se em razão das características e do âmbito onde será aplicado, sempre irradiando efeitos obrigatórios. Ele, e os direitos fundamentais previstos na Carta Constitucional, como quer PÉREZ LUÑO, servem de base para a interpretação de toda ordem jurídica; de postulados-guias para nortear a hermenêutica teleológica e evolutiva da Constituição e de critérios para apreciar a legitimidade das múltiplas manifestações do sistema de legalidade. Foi o que assistimos no dia de ontem.
Um comentário:
Essa era uma decisão inevitável, a tendência é óbvia, porém tenho medo de algumas distorções que isso possa causar, já estamos vivendo receosos em fazer qualquer tipo de comentário e sermos mal interpretados. Todos devem ter seus direitos assegurados, esse é o ideal social que queremos, porém temo que se confundam livre expressão com preconceito. Nos mais, acho a decisão louvável.
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