A internet, creio que não há dúvidas, tem se revelado um extraordinário meio de comunicação, de informação, de aprendizado. Entrementes, não podemos olvidar: o espaço virtual, do mesmo modo, desinforma e deseduca. E aqui não estou me referindo, só e tão só, à superficialidade da informação, a qual já implica em um conhecimento tosco do problema, reporto-me, também, sobre as crendices, os achismos, as fraudes e toda sorte de “opiniões” obtusas que invadem a rede, ora travestidas de um invólucro crível (e é aí que temos que ter cuidado para não “viajarmos na maionese”), ora apresentados à maneira do(s) autor(es): bizarrices, esquisitices, “breguices”, excesso de mau gosto e por aí vai. Público não falta nunca. Aliás, em uma passagem antológica de Forrest Gump, dirigido por Robert Zemeckis, o protagonista, encarnado por Tom Hanks, começa a correr pelos Estados Unidos sem motivação alguma e ganha uma série de adeptos, os quais iniciam uma interpretação da corrida: “ele corre pela paz”, “pela ecologia”, “pelo amor” etc, etc, etc. Quando, enfim, ele pára, sem qualquer explicação, seus seguidores ficam atônitos.
Parece-me necessário, para todos nós, uma boa dose de ceticismo, não o ceticismo que nega tudo, mas um ceticismo light ou pirrônico, o qual prioriza a investigação ante o convencimento fácil e absoluto. O propósito de Pírron (ou Pirro como preferem alguns) é, segundo Sexto Empírico, o equilíbrio, a serenidade em questões de opinião e a sensação moderada quanto ao inevitável. Isso nos leva, segundo o filósofo, a ataraxia ou a tranqüilidade da alma (muito em falta nos dias atuais).
Dois episódios envolvendo famosos (o que, ainda, causa tanto frenesi nas pessoas) chamaram-me atenção nas páginas virtuais. O primeiro foi uma campanha insólita (“devolve Lula”) que clamava pela devolução de uma cruz por parte de Lula, que teria levado para casa o crucifixo pertencente ao Palácio Alvorada e, portanto, ao povo brasileiro. É certo que a manifestação decorreu de uma reportagem leviana da Folha de São Paulo, mas não deixou de ser, convenhamos, ridícula. Fechado o caso, provou-se que a relíquia tinha sido presenteada não em favor da União, mas para Lula como pessoa física. O segundo, é bem mais atual e constrangeu (constrange) uma das principais intérpretes da música popular brasileira, Maria Bethânia. A cantora foi autorizada a captar mais de um milhão de reais com base na Lei Rouanet (Lei n. 8.313 de 23.12.1991), editada no governo Collor - aquela em que as empresas abatem do imposto que pagam a parcela do seu "patrocínio" à cultura -, para a criação de um blog de poesia. Em artigo na Folha (19/03/2011), Fernando de Barros e Silva resumiu bem, ao meu aviso, a crítica às reações “macarthistas” na imprensa e na internet: “favorecimento?” Indaga ele, e o próprio responde: “a lei existe e uma das maiores intérpretes do país busca se beneficiar dela. Não estamos falando de uma espertalhona, de uma charlatã ou de uma mercadista vulgar, mas de alguém, pelo contrário, cuja figura sempre esteve associada a uma atitude de recato e nobreza de espírito. Devemos discutir os critérios e problemas da Lei Rouanet? Sim, mas não dessa forma, sensacionalista e hipócrita. A reação ao blog de Bethânia, nos termos em que se deu, é, no fundo, só mais um capítulo de um certo macarthismo chulé que vem ganhando expressão no país. A caça às bruxas é capitaneada por uma direita cultural hoje bem estruturada na mídia, quase sempre maledicente e escandalosa.”
A questão, para terminar, passa pela nossa responsabilidade de checar as informações, de aprofundar o conhecimento sobre o problema colocado, de não nos apressarmos tal qual impõe a velocidade estonteante da era www. Exerçamos, assim, o nosso direito de impressão, tão obliterado, na internet, pelo direito de expressão.
“Maria Bethânia, please send me a letter, i wish to know things are getting better…”
Parece-me necessário, para todos nós, uma boa dose de ceticismo, não o ceticismo que nega tudo, mas um ceticismo light ou pirrônico, o qual prioriza a investigação ante o convencimento fácil e absoluto. O propósito de Pírron (ou Pirro como preferem alguns) é, segundo Sexto Empírico, o equilíbrio, a serenidade em questões de opinião e a sensação moderada quanto ao inevitável. Isso nos leva, segundo o filósofo, a ataraxia ou a tranqüilidade da alma (muito em falta nos dias atuais).
Dois episódios envolvendo famosos (o que, ainda, causa tanto frenesi nas pessoas) chamaram-me atenção nas páginas virtuais. O primeiro foi uma campanha insólita (“devolve Lula”) que clamava pela devolução de uma cruz por parte de Lula, que teria levado para casa o crucifixo pertencente ao Palácio Alvorada e, portanto, ao povo brasileiro. É certo que a manifestação decorreu de uma reportagem leviana da Folha de São Paulo, mas não deixou de ser, convenhamos, ridícula. Fechado o caso, provou-se que a relíquia tinha sido presenteada não em favor da União, mas para Lula como pessoa física. O segundo, é bem mais atual e constrangeu (constrange) uma das principais intérpretes da música popular brasileira, Maria Bethânia. A cantora foi autorizada a captar mais de um milhão de reais com base na Lei Rouanet (Lei n. 8.313 de 23.12.1991), editada no governo Collor - aquela em que as empresas abatem do imposto que pagam a parcela do seu "patrocínio" à cultura -, para a criação de um blog de poesia. Em artigo na Folha (19/03/2011), Fernando de Barros e Silva resumiu bem, ao meu aviso, a crítica às reações “macarthistas” na imprensa e na internet: “favorecimento?” Indaga ele, e o próprio responde: “a lei existe e uma das maiores intérpretes do país busca se beneficiar dela. Não estamos falando de uma espertalhona, de uma charlatã ou de uma mercadista vulgar, mas de alguém, pelo contrário, cuja figura sempre esteve associada a uma atitude de recato e nobreza de espírito. Devemos discutir os critérios e problemas da Lei Rouanet? Sim, mas não dessa forma, sensacionalista e hipócrita. A reação ao blog de Bethânia, nos termos em que se deu, é, no fundo, só mais um capítulo de um certo macarthismo chulé que vem ganhando expressão no país. A caça às bruxas é capitaneada por uma direita cultural hoje bem estruturada na mídia, quase sempre maledicente e escandalosa.”
A questão, para terminar, passa pela nossa responsabilidade de checar as informações, de aprofundar o conhecimento sobre o problema colocado, de não nos apressarmos tal qual impõe a velocidade estonteante da era www. Exerçamos, assim, o nosso direito de impressão, tão obliterado, na internet, pelo direito de expressão.
“Maria Bethânia, please send me a letter, i wish to know things are getting better…”
5 comentários:
Professor,
Subsidiar o projeto de blog de Maria Bethânia é, no mínimo, uma inversão de prioridades do nosso Estado.
Eu li o projeto apresentado por ela e sua equipe ao MinC (com muitos trechos desenvergonhadamente copiados da Wikipédia), e notei evidentes disparates. Lá, reserva-se aos advogados o valor de 30 mil reais, bem como 5 mil reais só de telefone. É muito? Pois bem, muito mais vultosos são os valores pagos ao editor de som (91 mil) e à legendagem (10,95 mil). "Consultores" e produtor recebem 24 mil cada.
A própria Maria Bethânia é diretora artística, angariando 600 mil e, também, ocupa o cargo destinado à pesquisa, com 36 mil.
O Sr. mesmo pode ler o projeto através do link: http://www.implicante.org/arquivos/projeto_bethania.pdf
Nosso Estado é carente e a cultura, assim como outros setores, necessita de grande amparo governamental. Precisamos de bibliotecas e teatros, por exemplo, bem como temos artistas locais que vivem em verdadeira penúria.
Neste cenário, o contribuinte brasileiro arcará, ainda que indiretamente, com um projeto verdadeiramente faraônico de uma artista consagrada (que, sem dúvida, poderia ser financiada diretamente pelo seu público), enquanto subsistem, no Brasil, necessidades muito mais urgentes.
Quem pagará a conta? No fim, todos os cidadãos brasileiros - dentre estes, muitos que sequer têm acesso à internet. Uma pena.
Grande abraço,
Mariana Melo
Estimada Mariana,
Não obstante compreenda suas razões eu discordo delas, ao menos em parte. Chama atenção, de fato, os valores envolvidos em um projeto que parece pequenino. Mas, não lhe parece que é muito melhor difundir Bethânia que determinados “artistas” que nós temos. Olha, o que há de mediocridade neste meio impressiona. Não vejo problema algum que Bethânia ganhe com o projeto, afinal ela é uma profissional que, encontrando espaço na legislação brasileira, resolveu captar recursos para propagação do seu trabalho, diga-se por importante, de qualidade. Eu sei que se trata de um site, mas há toda uma produção intelectual a ser colocada gratuitamente para todos, isso não conta?
Pagamos a conta, Mariana, ainda que este seja um problema completamente diferente, das Câmaras de Vereadores de todo o país para nada; pagamos tributos que todos os dias são desviados; pagamos funcionários que não trabalham; pagamos os financiamentos a custos baixíssimos para o lucro das empreiteiras, jornais, redes de tv, etc, etc, etc. Não estou afirmando, repare, que uma coisa justifica a outra. Tomara que tanta repercussão sirva para mudarmos os critérios da legislação e buscarmos, como vc bem disse, soluções mais adequadas. Para isso, este é o ponto que pretendia destacar, não precisamos execrar Bethânia muito menos firmar, ingenuamente, que o caso é coisa de governo de esquerda. Quantos canalhas e parasitas não são financiados há séculos no Brasil pelos governos ditos de direita, centro ou seja lá o que diabos isso queira significar. Os EEUU financiaram (e financiam) sua imensa indústria armamentista, que tanto matou no mundo, com muito do que pagamos da dívida externa. Ao menos Bethânia quer no seu sítio nos dizer, com sua poesia, o que interpretou em Gonzaguinha: “chega de tentar dissimular e disfarçar e esconder o que não dá mais para ocultar... chega de temer, chorar, sofrer... eu quero mais é me abrir e que essa vida entre assim, como se fosse o sol desvirginando a madrugada...”
Sou um iconoclasta e não possuo qualquer procuração de Bethânia, mas estou certo que ela representa aquilo que conheço por arte, coisa rara, sem nenhum saudosismo, nestes tempos de internet.
Professor,
Concordo com o Sr. no tocante à duvidosa qualidade musical de muitos artistas que nos aparecem atualmente, e reconheço o enorme talento de Bethânia.
Sempre fui, inclusive, grande admiradora de suas interpretações.
Entretanto, acredito a difusão do trabalho de Bethânia para o país subsidiada por dinheiro público não se confunde com isto. Os valores são astronômicos (só a artista ganharia 636mil reais!) e injustificados.
Vejamos:
A premissa é difundir o trabalho de Bethânia, certo?
Mas vamos nos utilizar do meio mais elitista para tal - a internet, inacessível para milhões de brasileiros. Justamente os que não conhecem Bethânia continuarão sem conhecê-la, afinal, se encontram na classe econômica menos favorecida.
Bethânia não está no ostracismo; é deveras conhecida nacionalmente. Se quisesse difundir seu trabalho, com certeza poderia fazê-lo independentemente de incentivo fiscal. Da mesma forma que seus shows atraem inúmeros pagantes, assim se daria no que tange ao sítio de poesias. Aqui, a lógica do mercado seria perfeitamente aplicável, afinal, não falta a procura pela obra da artista.
É fato que há inúmeros artistas ruins, mas também há outros tantos que possuem qualidade e que vivem da arte que produzem e, para tal, se sustentam em condições quase miseráveis. Estes, sim, representam o objeto propício da Lei Rouanet.
Ademais, ainda temos o fato de que Bethânia é, sem dúvidas, alguém que produz Arte (ao menos na nossa opinião). Contudo, o que podemos falar de Ivete Sangalo, a qual captou quase 2milhões de reais para dar alguns shows em Salvador? Nestas apresentações artísticas, ouvimos "Eu sou o lobo mau, au, au" e "Foge, foge, mulher maravilha...", tudo subsidiado com dinheiro público.
A qualidade das duas cantoras só é aferível mediante um critério valorativo, razão pela qual me abstenho da discussão nesta esfera - chegaríamos na insolúvel pergunta: "O que é arte?".
Infelizmente, isto eu não posso responder. Minha capacidade cognitiva, enquanto ser humano, é limitada. Mas para mim, todos estes fatores só demonstram uma conclusão: Do quão falha é a Lei Rouanet e, sobretudo, o manejo da cultura em nosso país.
Um grande abraço,
Mariana
Mariana,
Concordo. Mas é preciso ponderar que o trabalho, consoante previsto no projeto da Bethânia, diz respeito à PRODUÇÃO, não tanto a difusão.
Quanto à outra baiana subscrevo integralmente o que foi dito.
Abraços.
Professor,
Publiquei, em meu blog, um texto relativo à legitimidade da Lei Maria da Penha.
Como diz respeito à área do Sr., seria uma grande honra receber sua leitura.
São, afinal, apenas algumas elocubrações de uma neófita no Direito Penal. rs
Postar um comentário