sábado, 19 de março de 2011

INTERNET: CETICISMO E INVESTIGAÇÃO. O CASO DE LULA E O DE BETHÂNIA

A internet, creio que não há dúvidas, tem se revelado um extraordinário meio de comunicação, de informação, de aprendizado. Entrementes, não podemos olvidar: o espaço virtual, do mesmo modo, desinforma e deseduca. E aqui não estou me referindo, só e tão só, à superficialidade da informação, a qual já implica em um conhecimento tosco do problema, reporto-me, também, sobre as crendices, os achismos, as fraudes e toda sorte de “opiniões” obtusas que invadem a rede, ora travestidas de um invólucro crível (e é aí que temos que ter cuidado para não “viajarmos na maionese”), ora apresentados à maneira do(s) autor(es): bizarrices, esquisitices, “breguices”, excesso de mau gosto e por aí vai. Público não falta nunca. Aliás, em uma passagem antológica de Forrest Gump, dirigido por Robert Zemeckis, o protagonista, encarnado por Tom Hanks, começa a correr pelos Estados Unidos sem motivação alguma e ganha uma série de adeptos, os quais iniciam uma interpretação da corrida: “ele corre pela paz”, “pela ecologia”, “pelo amor” etc, etc, etc. Quando, enfim, ele pára, sem qualquer explicação, seus seguidores ficam atônitos.  

Parece-me necessário, para todos nós, uma boa dose de ceticismo, não o ceticismo que nega tudo, mas um ceticismo light ou pirrônico, o qual prioriza a investigação ante o convencimento fácil e absoluto. O propósito de Pírron (ou Pirro como preferem alguns) é, segundo Sexto Empírico, o equilíbrio, a serenidade em questões de opinião e a sensação moderada quanto ao inevitável. Isso nos leva, segundo o filósofo, a ataraxia ou a tranqüilidade da alma (muito em falta nos dias atuais).  

Dois episódios envolvendo famosos (o que, ainda, causa tanto frenesi nas pessoas) chamaram-me atenção nas páginas virtuais. O primeiro foi uma campanha insólita (“devolve Lula”) que clamava pela devolução de uma cruz por parte de Lula, que teria levado para casa o crucifixo pertencente ao Palácio Alvorada e, portanto, ao povo brasileiro. É certo que a manifestação decorreu de uma reportagem leviana da Folha de São Paulo, mas não deixou de ser, convenhamos, ridícula. Fechado o caso, provou-se que a relíquia tinha sido presenteada não em favor da União, mas para Lula como pessoa física. O segundo, é bem mais atual e constrangeu (constrange) uma das principais intérpretes da música popular brasileira, Maria Bethânia. A cantora foi autorizada a captar mais de um milhão de reais com base na Lei Rouanet (Lei n. 8.313 de 23.12.1991), editada no governo Collor - aquela em que as empresas abatem do imposto que pagam a parcela do seu "patrocínio" à cultura -, para a criação de um blog de poesia. Em artigo na Folha (19/03/2011), Fernando de Barros e Silva resumiu bem, ao meu aviso, a crítica às reações “macarthistas” na imprensa e na internet: “favorecimento?” Indaga ele, e o próprio responde: “a lei existe e uma das maiores intérpretes do país busca se beneficiar dela. Não estamos falando de uma espertalhona, de uma charlatã ou de uma mercadista vulgar, mas de alguém, pelo contrário, cuja figura sempre esteve associada a uma atitude de recato e nobreza de espírito. Devemos discutir os critérios e problemas da Lei Rouanet? Sim, mas não dessa forma, sensacionalista e hipócrita. A reação ao blog de Bethânia, nos termos em que se deu, é, no fundo, só mais um capítulo de um certo macarthismo chulé que vem ganhando expressão no país. A caça às bruxas é capitaneada por uma direita cultural hoje bem estruturada na mídia, quase sempre maledicente e escandalosa.” 

A questão, para terminar, passa pela nossa responsabilidade de checar as informações, de aprofundar o conhecimento sobre o problema colocado, de não nos apressarmos tal qual impõe a velocidade estonteante da era www. Exerçamos, assim, o nosso direito de impressão, tão obliterado, na internet, pelo direito de expressão.   

“Maria Bethânia, please send me a letter, i wish to know things are getting better…

segunda-feira, 7 de março de 2011

NÃO, NÃO HÁ UM DIREITO À FELICIDADE

No Congresso de Direitos Fundamentais, em que proferi palestra sobre o que chamo de Direito Penal Iluminista, contrapondo-o com os Direitos Fundamentais da Vítima, antecipei, ao final,  discussão acerca da conferência de encerramento que tratava do “Direito à Felicidade". Naquela oportunidade, não me conformei com o tema e manifestei que  Vinicius de Moraes provavelmente tivesse razão quando dizia que “é melhor viver do que ser feliz”. O propósito da vida, afirmei, talvez não seja, necessariamente, a felicidade.

Lembrei Ouranis o qual, radicalizando, afirmava:   “parem de tocar o aviso de perigo. Calem o grito histérico e lamentoso da sirene / e deixem o leme confiado a tempestade. / O mais terrível naufrágio seria nos salvarmos. Novamente saber como será cada amanhã?  Não sentir o acicate de nenhum desejo ardente?  Tentáculos poderão arrastar-nos para as escuras profundezas / Mas também, num de seus arremessos, erguer-nos tão alto que com nossa fronte tocaremos os astros.

A vida, disse, é mais uma busca do que um encontrar. Fernando Pessoa escreveu sobre o que entendia ser a verdadeira história da humanidade:
“Ah! /    Quem escreverá a história do que poderia ter sido?
Será essa, se alguém a escrever, a verdadeira história da humanidade.
O que não há somos nós, e a verdade está aí.
Sou quem falhei ser.  /  Somos todos quem nos supusemos.
A nossa realidade é o que não conseguimos nunca. “

Possivelmente, a grande caminhada a ser feita é aquela em torno de nós próprios, em busca da nossa identidade, para, afinal, a descoberta do outro. Mas isso, de modo algum, invalida nossos horizontes ou nossas utopias, ao contrário, incentiva-nos a continuar buscando. Na perspectiva de Galeano: “aproximo-me dois passos, ele se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte se distancia dez passos mais além. Para que serve, afinal o horizonte? Serve para isso: para caminhar”.

Em meio ao Carnaval, uma “alegria fugaz” e não a felicidade, deparo-me com o artigo do Luiz Felipe Pondé (Folha de São Paulo, 07.03.2011), que de modo cômico, e de certa maneira no rastro do meu pensamento  (ainda que não o conheça), escreveu: “Deus me livre de ser feliz”. Vale a pena a leitura do texto:

DEUS me livre de ser feliz. Existem coisas mais sérias que a felicidade. Algum sabichão por aí vai dizer, sentindo-se inteligentinho: "Existem várias formas de felicidade!". E o colunista dirá: "Sou filósofo, cara. Conheço esse blá-blá-blá de que existem vários tipos de felicidade, mas hoje não estou a fim”.
Um bom teste para saber se o que você está aprendendo vale a pena é ver se o conteúdo em questão visa te deixar feliz.
Se for o caso e você tiver uns 40 anos de idade, você corre o risco de sair do "curso" engatinhando como um bebê fora do prazo de validade. A mania da felicidade nos deixa retardados.
Querer ser feliz é uma praga. Quando queremos ser felizes sempre ficamos com cara de bobo. Preste atenção da próxima vez que vir alguém querendo ser feliz.
Mas hoje em dia todo mundo quer deixar todo mundo feliz porque agradar é, agora, um conceito "científico". Quem não agrada, não vende, assim como maçãs caem da árvore devido à lei de Newton.
Mas eu, talvez por causa de algum trauma (fiz análise por 20 anos e acho que Freud acertou em tudo o que disse), não quero agradar ninguém.
Não considero isso uma "vantagem moral", mas uma espécie de vício. Claro, por isso tenho poucos amigos. Mas, como dizem por aí, se você tiver muitos amigos, ou você é superficial, ou eles são, ou os dois.
Quanto aos meus alunos e leitores, esses eu nunca penso em deixar felizes, graças a Deus.
Desejo para eles uma vida atribulada, conflitos infernais com as famílias, dúvidas terríveis quanto a se vale a pena ou não ter filhos e casar.
Desejo que, caso optem por não ter família, experimentem a mais dura solidão da existência humana, porque, no fundo, não passam de egoístas. Mas se tiverem família, desejo que percebam como os filhos cada vez mais são egoístas porque querem ser felizes e livres.
Desejo para eles pressões violentas no mercado de trabalho. E jantares à meia-noite diante de um trabalho que não pode ficar para amanhã porque querem viajar e ter grana para gastar.
Quem quiser ser livre, que aguente a insegurança da liberdade. Quem for covarde e optar por uma vida miseravelmente cotidiana que veja um dia sua filha jogar na sua cara que você foi um covarde.
Especialmente, desejo um futuro cruel para quem acredita que "ser uma pessoa de bem" a protege de ser infiel, infeliz, abandonada e invejosa.
Espero que um dia descubram que, sim, eles têm um preço (apenas desejo que seja um preço alto) e que se vendam.
Espero que percebam que seus pais não foram santos e parem com essa coisa de gente brega de classe média que tenta inventar uma "tradição ética familiar" que só engana bobo.
E por que digo isso? Porque hoje todos nós estamos um tanto infantilizados e só queremos que nos digam o que achamos legal.
O resultado é uma massa de obviedades. A tendência é transformar o pensamento público em autoajuda ou em "compromisso com um mundo melhor", o que é a mesma coisa.
Quem quer agradar é, no fundo, um frouxo. Vejamos alguns exemplos do produto "querer ser feliz". Comecemos por quem acha que o seu "querer ser feliz" é superior e espiritualizado.
Talvez você queira virar luz quando morrer porque ser luz é legal (risadas). Deus me livre de querer virar luz quando morrer. Prefiro as trevas.
Se for para continuar vivendo depois de morto, prefiro viver no "meu elemento", as trevas, porque sou cego como um morcego.
Normalmente, quem quer virar luz quando morrer é gente feia ou magra demais. Mulheres bonitas vão para o inferno, logo...
E gente que acha que frango tem mãe (só porque ele "descende" do ovo de uma galinha, e ela de outro...) e por isso é crime matá-los? Trata-se de uma nova forma de compromisso com a "felicidade social e política".
Entre esses "felizes que desejam a felicidade para os frangos" existem pessoas de 40 anos com cérebro de dez e pessoas de dez anos que um dia terão 40, mas com o mesmo cérebro de dez. Não creio que mudem.
Hoje é Carnaval. Espero que você não tenha pegado aquele trânsito idiota de cinco horas para ser feliz na praia.”