terça-feira, 25 de maio de 2010

JUIZ NATURAL E CONSTITUCIONALIDADE DA 17ª VARA CRIMINAL

 No domingo próximo passado, publiquei no jornal "Gazeta de Alagoas" o artigo que segue, para acalorar, ainda mais, os debates sobre a constitucionalidade do Juízo para o crime organizado em Alagoas. É incrível como a mentalidade dos “juristas” é engessada por (pré)conceitos jurássicos, distantes, inclusive, da dogmática processual. O Conselho Nacional de Justiça - CNJ, para além dos elogios, recomendou para outros Estados o modelo alagoano.  Como o Supremo Tribunal vai decidir a ADI proposta pela OAB? Façam suas apostas.  

 A Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece, em seu art. 8º, n. 1, o conceito de juiz natural, firmando que “toda pessoa tem direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela...”

 Os Juízes da 17ª Vara Criminal atuam, exatamente, dentro dos marcos determinados pela Convenção. Eles laboram com processos posteriores a criação do Juízo, que se deu por Lei (Lei Estadual n. 6.806/2007), atendendo, destaque-se, Recomendação do CNJ, que sugeriu “a especialização de varas criminais, com competência exclusiva ou concorrente, para processar e julgar delitos praticados por organização criminosa.” Portanto, os Juízes da 17ª Vara, são Juízes naturais na apreciação de procedimentos criminais referentes ao crime organizado.

 É preciso entender, de uma vez por todas, que “crime organizado” é categoria doutrinária e não tipo penal incriminador. Ninguém é processado ou condenado na 17ª Vara por crime organizado, porém por homicídio, estupro, corrupção, tráfico de drogas etc, quando praticados em atividades típicas de organização criminosa.

 Neste diapasão, o conceito de crime organizado, bem como o de organização criminosa serve, só e tão só, para fixação de competência de juízo, tarefa, nas unidades federativas, das leis estaduais de organização judiciária. Demais, o conceito de crime organizado é extraído da Convenção de Palermo (ONU/2000) da qual o Brasil é signatário e, assim, tem força, entre nós, de Lei Federal.

 O Juízo da 17ª Vara Criminal é coletivo, não porque os Juízes sejam “frouxos”, como sugeriu, deselegantemente, o Presidente da OAB, mas para dinamizar o trabalho da Unidade, uma vez que os processos são mais complexos e o número de acusados é acima da média. É claro que, para além, resta à preocupação com a segurança dos magistrados, afinal, todos nós conhecemos os tentáculos e a ousadia da chamada criminalidade dos poderosos. A leitura do artigo 2, alínea “e”, da Recomendação n. 3 do CNJ, fica como indicação ao Presidente da Ordem: “que as varas especializadas em crime organizado contem com mais de um juiz, bem como com estrutura material e de pessoal especializado compatível com sua atividade, garantindo-se aos magistrados e servidores segurança e proteção para o exercício de suas atribuições.” No Brasil, temos vários exemplos de juízos coletivos no 1º grau, um deles é o antiguíssimo Tribunal do Júri.

 Pertinente ao Tribunal do Júri, talvez a parte mais polêmica da Lei Estadual, é preciso dizer que ela, responsável pela fixação das atribuições locais dos juízos, apenas e tão só, determina que os magistrados da 17ª Vara, no caso de crime organizado, possam – seguindo, rigorosamente, o procedimento previsto na legislação processual federal (CPP) –, instruir os processos e presidir as sessões deste Tribunal, o qual continua a julgar os crimes dolosos contra a vida. Neste caso, os jurados seguem como julgadores.

 Finalmente, a Lei Estadual  fixou a competência pela matéria, a qual prevalece em face da competência territorial. A Recomendação n. 3 do CNJ especifica que “os Tribunais fixem a competência territorial das varas especializadas” em crime organizado. Na Lei local, considerando, em especial, o diminuto território do Estado de Alagoas, foi estabelecida competência, assim, para todo o Estado, o que facilita, enormemente, o procedimento neste tipo de infração penal.

 Destarte, nos três planos, revela-se que o Juízo da 17ª Vara é o natural. No plano da fonte, a Lei competente instituiu a 17ª Vara e fixou-lhe a competência. No plano temporal, tal Juízo só pode laborar com processos penais ocorridos após sua criação. No plano da competência, a Lei Estadual previu, taxativamente, as suas atribuições.

 Acreditamos que, cuidadosamente examinado, o caso seja resolvido, por toda a composição do Supremo Tribunal, com o indeferimento da ADI (acompanhe aqui a ADI4414/AL). Uma medida liminar, no entanto, pode comprometer processos sérios que estão findando, o que é preocupante. Oxalá que isso não ocorra, para o bem da democratização de um Direito Penal calcado no Estado Democrático, na Ampla Defesa e no respeito aos Direitos Fundamentais das Vítimas.

terça-feira, 4 de maio de 2010

LULA, AS ELITES E O VIRA-LATAS

Em tempos de escassez de produção neste espaço, por força de numerosos compromissos: aulas, viagens, preparação do livro, trabalho, trabalho e trabalho... Vale a transcrição da matéria "Lula, as elites e o vira-latas", do Professor de História Moderna e Contemporânea da UFRJ, Francisco Carlos Teixeira, no mínimo para provocar nossos (pré)conceitos ou/e (des)interesses sobre o Presidente, a atuação brasileira no cenário internacional, nossas "elites" e nossa imprensa.  Bem assim, é claro, refletir, sobre o próprio texto.  

 
"Os jornais Le Monde, de Paris, e o El País, o mais importante meio de comunicação em língua espanhola (e muito atento aos temas latino-americanos) já haviam, na virada de 2009, destacado Lula como o “homem do ano”. O inédito desta feita, com a revista Time, foi fazer uma lista, incluindo aí homens de negócios, cientistas e artistas mundialmente conhecidos. Entre os quais está o brasileiro Luis Inácio da Silva, nascido pobre e humilde em Caetés, no interior de Pernambuco, em 1945, o presidente do Brasil aparece como o mais influente de todas as personalidades globais. Por si só, dado o ponto de partida da trajetória de Lula e as deficiências de formação notórias é um fato que merece toda a atenção. No Brasil a trajetória de Lula tornou-se um símbolo contra toda a forma de exclusão e um cabal desmentido aos preconceitos culturalistas que pouco se esforçam para disfarçar o preconceito social e de classe.

É extremamente interessante, inclusive para uma sociologia das elites nacionais, que o brasileiro de maior destaque no mundo hoje seja um mestiço, nordestino, de origens paupérrimas e com grande déficit de educação formal. Para todos os segmentos das elites nacionais, nostálgicas de uma Europa que as rejeita, é como uma bofetada! E assim foi compreendida a lista do Time. Daí a resposta das elites: o silêncio sepulcral!

Desde 2007 a imprensa mundial, depois de colocá-lo ao lado de líderes cubanos e nicaraguenhos num pretenso “eixinho do mal”, teve que aceitar a importância da presença de Lula nas relações internacionais e reconhecer a existência de uma personalidade original, complexa e desprovida de complexos neocoloniais. Em 2008 a Newsweek, seguida pela Forbes, admitiam Lula como um personagem de alcance mundial. O conservador Financial Times declarava, em 2009, que Lula, “com charme e habilidade política” era um dos homens que haviam moldado a primeira década do século XXI. Suas ações, em prol da paz, das negociações e dos programas de combate à pobreza eram responsáveis pela melhor atenção dada, globalmente, aos pobres e desprovidos do mundo.

Mesmo no momento da invasão do Iraque, em busca das propaladas “armas de destruição em massa”, Lula havia proposto a continuidade das negociações e declarado que a guerra contra a fome era mais importante que sustentar o complexo industrial-militar norte-americano.

Em 2010, em meio a uma polêmica bastante desinformada no Brasil – quando alguns meios de comunicação nacionais ridicularizaram as propostas de negociação para a contínua crise no Oriente Médio – o jornal israelense Haaretz – um importante meio de comunicação marcado por sua independência – denominou Lula de “profeta da paz”, destacando sua insistência em buscar soluções negociadas para a paz. Enquanto isso, boa parte da mídia brasileira, fazendo eco à extrema-direita israelense, procurava diminuir o papel do Brasil na nova ordem mundial.

Lula, talvez mesmo sem saber, utilizando-se de sua habilidade política e de seu incrível sentido de negociações, repetia, nos mais graves dossiês internacionais, a máxima de Raymond Aron: a paz se negocia com inimigos. As exigências, descabidas e mal camufladas de recusa ás negociações, sempre baseadas em imposições, foram denunciadas pelo presidente brasileiro. Idéias pré-concebidas estabelecendo a necessidade de mudar regimes para se ter a paz ou usar as baionetas para garantir a democracia foram consideradas, como sempre, desculpas para novas guerras. Lula mostrou-se, em várias das mais espinhosas crises internacionais, um negociador permanente. Foi assim na crise do golpe de Estado na Venezuela em 2002 (quando ainda era candidato) e nas demais crises sul-americanas, como na Bolívia, com o Equador e como mediador em crises entre outros países.

O mais surpreendente é que o reconhecimento internacional do presidente brasileiro não traz qualquer orgulho para a elite brasileira. Ao contrário. Lula foi ridicularizado por sua política no Oriente Médio. Enquanto isso o presidente de Israel, Shimon Perez ou o Grande-Rabino daquele país solicitavam o uso do livre trânsito do presidente para intervir junto ao irascível presidente do Irã. Dizia-se aqui que Lula ofendera Israel, enquanto o Haaretz o chamava de “profeta da paz” e a Knesset (o parlamento de Israel) o aplaudia em pé. No mesmo momento o Brasil assinava importantes acordos comerciais com Israel.

Ridicularizou-se ao extremo a atuação brasileira em Honduras, sem perceber a terrível porta que se abria com um golpe militar no continente. Lula teve a firmeza e a coragem, contra a opinião pública pessimamente informada, de dizer e que “... a época de se arrancar presidentes de pijama” do palácio do governo e expulsá-los do país pertencia, definitivamente, a noite dos tempos.

Honduras teve que arcar com o peso, e os prejuízos, de sustentar uma elite empedernida, que escrevera na constituição, após anos de domínio ditatorial, que as leis, o mundo e a vida não podem ser mudados. Nem mesmo através da expressa vontade do povo! E a elite brasileira preferiu ficar ao lado dos golpistas hondurenhos e aceitar um precedente tenebroso para todo o continente.

Também se ridicularizou a abertura das relações do Brasil com o conjunto do planeta. Em oito anos abriu-se mais de sessenta novas representações no exterior, tornando o Brasil um país global. Os nostálgicos do “circuito Helena Rubinstein” – relações privilegiadas com Nova York, Londres e Paris – choraram a “proletarização” de nossas relações. Com a crise econômica global – que desmentiu os credos fundamentalistas neoliberais – a expansão do Brasil pelo mundo, os novos acordos comerciais (ao lado de um mercado interno robusto) impediram o Brasil de cair de joelhos. Outros países, atrelados ao eixo norte-atlântico e aqueles que aceitaram uma “pequena Alca”, como o México, debatem-se no fundo de suas infelicidades. Lula foi ridicularizado quando falou em “marolhinha”. Em seguida o ex-poderoso e o ex-centro anti-povos chamado FMI, declarou as medidas do governo Lula como as mais acertadas no conjunto do arsenal anti-crise.
Mais uma vez silêncio das elites brasileiras!

Lula foi considerado fomentador da preguiça e da miséria ao ampliar, recriar, e expandir ações de redistribuição de renda no país. A miséria encolheu e mais de 91 milhões de brasileiros ascenderam para vivenciar novos patamares de dignidade social... A elite disse que era apoiar o vício da preguiça, ecoando, desta feita sabendo, as ofensas coloniais sobre “nativos” preguiçosos. Era a retro-alimentação do mito da “pereza ibérica”. Uma ajuda de meio salário, temporária, merece por parte da elite um bombardeio constante. A corrupção em larga escala, dez vezes mais cara e improdutiva ao país que o Bolsa Família, e da qual a elite nacional não é estranha, nunca foi alvo de tantos ataques.

A ONU acabou escolhendo o Programa Bolsa Família como símbolo mundial do resgate dos desfavorecidos. O ultra-conservador jornal britânico The Economist o considerou um modelo de ação para todos os países tocados pela pobreza e o Le Monde como ação modelar de inclusão social.
Mais uma vez a elite nacional manteve-se em silêncio!

Em suma, quando a influente revista, sem anúncios do governo brasileiro, Time escolhe Lula como o líder mais influente do mundo, a mídia brasileira “esquece” de noticiar. Nas páginas internas, tão encolhidas como um vira-lata em dia de chuva noticia-se que Lula “... está entre os 25 lideres mais influentes do mundo”.

Agora se espera o silêncio da elite brasileira!"