Será que as necessidades humanas são, naturalmente, inestancáveis, como afirmava Émile Durkheim, ou elas nos são impostas socialmente, na linha defendida por Robert Merton? Não obstante as divergências entre eles, seus estudos abriram as portas para explicar o crime de corrupção pelas relações sociais de aprendizado e internalização do poder sobre as regras e não sob as regras. Embora, ao que me pareça, seja esta a linha criminológica mais acertada, os próprios autores nunca negaram a possibilidade de cargas biológicas ou psicológicas em certos comportamentos. E isso nos conduz a observar o fenômeno da corrupção através da controvertida figura do psicopata.
Poucos são os estudos sérios para este tipo de criminoso em particular. Os psicopatas, em regra, são apontados nas infrações contra a vida e delitos sexuais – face ao mito de que a violência é atributo indissociável a este delinquente –, raramente nos crimes de corrupção, singularmente falando. Sim, por que não há negar a existência empírica daquelas figuras que, embora pusilânimes e acovardados no embate frontal – diferentes, neste ponto, dos canalhas destemidos –, utilizam da perfídia para atingir os seus propósitos ilícitos.
Ele, o psicopata, é apontado pelos especialistas como um tipo com inteligência superior, mas uma de suas principais fraquezas é acreditar em demasia nisto: sua vaidade, preservada com demonstrações de gentileza, sedução e amabilidade, o denuncia quando explicitada as suas falhas. Mesmo decadente, acredita-se superior e é comum arrotar estultices, reverberando plágios que só impressionam os incautos de província.
Este personagem é comum no serviço público brasileiro, principalmente nas repartições de estados federativos como o nosso. Aproveitando-se da burocracia, desorganização e falta de fiscalização da máquina estatal, ali está ele, desde sempre, urdindo vantagens indevidas, manipulando as pessoas, tramando contra o erário para locupletar-se, pois sua fatuidade o leva ao equívoco doentio, por exemplo, de supor que sua origem de parcos recursos seja incompatível com a posição que deve ocupar na escala social. Impressiona, por isso mesmo, a relevância que deposita em se fazer membro de certos agrupamentos, ainda que, como ele, empobrecidos, o que caracteriza, neste tipo de agente, a desesperada necessidade de um álibi que evidencie, cabalmente, aos outros, sua honorabilidade inexistente.
Como raramente consegue refrear seus impulsos, nele é comum a embriaguez e a promiscuidade sexual, que o leva a molecagens e situações risíveis. Isso, somente, seria móvel para a zombaria e troça, próprias de rodas de amigos em finais de semana. No entanto, perseguido pela vigília antes de dormir, aterrorizado com os sonhos sob o patíbulo, acossado, de dia, pelas denúncias dos que não se calam, a deficiência moral do nosso personagem torna-se preocupante, quando sabemos dos seus esforços, incomuns, para tornar a todos seus iguais no que ele tem de mais sórdido. Para sentir-se normal, a mente do psicopata corrupto trabalha para fazê-lo crer que somos todos como ele. Se todos são corruptos e fingem parecer que não são, a corrupção é admissível e, portanto, “normal”. É uma tentativa, calculada, para neutralizar o sentimento de culpa; é um mote do raciocínio, para permitir a continuação de sua atuação delitiva; é o ego furtando-se à vigilância do superego; é o crime legitimando-se por meio de racionalizações.
Apesar de todas estas descrições, ainda são bastante frágeis as concepções psicológicas acerca da psicopatia, embora deslumbrem, tal qual a tipologia lombrosiana do criminoso nato, a imaginação do homem comum e popularizem, por isso, a crença na sua existência. É certo, porém, que não há como resistir, a tentadora comparação – tal qual fez Ferri em seu “Os Criminosos na Arte e na Literatura” – com certos indivíduos que conhecemos na realidade. Bem verdade que eles não têm o glamour de um Macbeth ou de um Raskolnikoff, afinal são somente escroques da periferia, mas não se deve descurar da sua periculosidade e nocividade social.
Em entrevista à revista brasileira de maior circulação, o psicólogo canadense Robert Hare, criador de uma – no mínimo curiosa – escala para a psicopatia, defende a prisão para o psicopata quando afirma que ele é responsável pelos seus atos (confira aqui a entrevista). É possível divergir de Hare em uma série de outras afirmações, é possível, mesmo, falar da erradicação do próprio conceito de psicopata, como, aliás, fazem ver muitos outros psiquiatras, todavia a indicação do cárcere para o corrupto, seja ele psicopata ou não, parece-me a medida correta. Para além dos critérios de justiça, não tenho dúvida do seu caráter pedagógico.