Os Embargos Infringentes constituem
verdadeira aberração no âmbito, pelo menos, do PLENO do Supremo Tribunal
Federal(composição de todos os juízes que integram a Corte). Esse é mais um
recurso, entre tantos previstos na nossa legislação, que só tem lógica e
sustentação para decisões que comportam o julgamento em dois “graus de
jurisdição”, tanto no cível, é o que determina o Código de Processo:
Cabem embargos infringentes quando o acórdão não
unânime houver reformado, EM GRAU DE
APELAÇÃO, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação
rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria
objeto da divergência. (Art. 530).
Quanto no criminal,
consoante o Código de Processo Penal:
Quando não for unânime a DECISÃO DE SEGUNDA INSTÂNCIA,
desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que
poderão ser opostos dentro de 10 (dez) dias, a contar da publicação de acórdão,
na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão
restritos à matéria objeto de divergência. (Parágrafo Único do artigo 609).
Estendê-lo para o Supremo Tribunal Federal, quando instância única e derradeira de
julgamento da Ação Penal Originária, máxime porquanto, nestes casos, quem
decide é a Corte Plena, é uma esquizofrenia no plano dogmático e no plano
político é a sustentação das teses liberais iluministas que invadiram o Brasil,
fundadas pelo rechaço a tudo que signifique responsabilização pessoal com prisão, confundida, capciosa ou
inocentemente, com repressão do Estado.
O artigo que segue, publicado hoje na Folha de São Paulo,
trata para além do tema, da questão da prerrogativa de foro, tantas vezes denunciada nesse espaço. O artigo é do Juiz e Professor Fausto de Sanctis, uma das poucas vozes
lúcidas no debate do Direito Penal contemporâneo no Brasil.
Um privilégio injustificável
Recusar embargos
infringentes não violaria o duplo grau de jurisdição; o debate jurídico já se
dá exaustivamente nas instâncias máximas de Justiça.
A admissão de embargos infringentes
provoca idas e vindas de decisões judiciais que jamais alcançam seu fim no
devido tempo. Muito menos reparam ou igualam.
Eles são recursos oponíveis pela
defesa contra decisão não unânime no processo penal. Sua razão de ser é
devolver o julgamento a um órgão colegiado mais amplo, do qual participem a
integralidade dos membros da corte. Busca-se a prevalência do ou dos votos
vencidos, devendo estar presentes não só os julgadores anteriores, mas também
os demais integrantes.
Há previsão de seu cabimento no
regimento interno do Supremo Tribunal Federal, ao contrário do que estatuiu a
lei nº 8.038/1990, que, ao instituir procedimentos no âmbito das cortes
superiores, sabiamente nada dispôs sobre os embargos.
O tal regimento acabou por adentrar em
seara nem sequer reportada pela lei. Argumento contrário defende que a lei não
obstou o seu emprego, especialmente por se tratar de matéria penal.
A despeito da suposta impropriedade do
regimento, os embargos infringentes não possuem qualquer sentido na ação penal
originária (foro por prerrogativa). Determinados crimes já são de pronto
julgados pela integralidade dos membros das cortes. Não há, pois, razão para
nova apreciação a fim de complementar julgamento já inteiramente satisfeito.
Por sua natureza, é incabível, salvo melhor juízo. Por outro lado, os
infringentes estão longe de se equipararem à apelação.
Diante da extensão e da forma eleita
de julgamento, não há que se cogitar que a não admissão dos embargos infringentes
violaria o princípio do duplo grau de jurisdição, até porque o debate jurídico
se dá exaustivamente perante as instâncias máximas de Justiça.
O dilema existencial da Justiça é,
pois, buscar a efetividade da coerção baseada na ética e no respeito ao conteúdo
dos direitos, dos deveres e das garantias individuais. Visa, pois, reparar
(equilibrar) o que foi e é considerado injusto.
Por si só, a prerrogativa de foro
constitui instituto discutível numa real democracia. Alimenta a sensação de
impunidade e descrença no direito e corrói valores universais. Para alguns, ela
se justifica em razão dos cargos tutelados. Porém, privilégios só se justificam
se o fim for o de igualar --previsão em sentido oposto tem efeito devastador.
A falta de vocação dos tribunais para
lidar com o instituto faz deste um quase não-julgamento. Eis que historicamente
tem acarretado uma "imunidade branca" ("normatização
fictícia"), consagrando nichos sociais que se mantêm à margem da lei
comum. Esse tipo de "técnica" provoca erosão da harmonia legislativa
e pode acarretar a falência de uma democracia já doente.
A admissão dos embargos infringentes
contra a sua evidente natureza faz desse recurso um benefício insustentável. Um
mecanismo discriminatório, que fomenta um curioso microssistema jurídico-penal.
Constitui mais um desequilíbrio
sistêmico na Justiça. Um injustificável privilégio sobre outro privilégio
injustificável.