Uma das minhas preocupações com a reforma produzida pela lei 12.403/2011 é o modo como será interpretada a Prisão Provisória Domiciliar. É indiscutível, como já é cediço, que o interprete cria o direito, a discussão diz respeito aos limites desta criação. Pois bem, a questão que está em pauta é se a Prisão Provisória Domiciliar é mais uma medida cautelar autônoma, ou tão só, um cautelar substitutiva da Prisão Preventiva. E se for, somente substitutiva, como é – segundo meu ponto de vista –, deve cingir-se apenas aos casos especificados na própria lei, ou ampliada para outras hipóteses não previstas?
A preocupação justifica-se, em especial no nosso país, pela possibilidade de criação de mais um privilégio para as castas de sempre. A vingar o entendimento de que estamos tratando de uma cautelar autônoma, será possível empregar a Prisão Provisória Domiciliar ao talante do Juiz, como alternativa a Prisão Preventiva.
Todavia, uma tal interpretação não deve prevalecer. O Código de Processo Penal, sistematicamente, trata primeiro da Prisão Preventiva e em sequência da Prisão Provisória Domiciliar, conceituando-a em um dispositivo e firmando sua aplicabilidade no outro, para só, então, em capítulo distinto, elencar outras cautelares, estas, sim, autônomas. Fazendo uso da analogia com a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), revela-se, também, a natureza unicamente substitutiva da Prisão Provisória Domiciliar. O artigo 117 da LEP somente admite o “Recolhimento em Residência Particular”, como substituto da Prisão Pena e, para além, exclusivamente nas hipóteses previstas, vale dizer o rol é taxativo.
É claro que ambas as questões agora se fundem. Se as hipóteses previstas no artigo 318 do CPP são taxativas, e o são, diante da excepcionalidade da Prisão Provisória Domiciliar, este tipo de cautelar não pode ser aplicada para nenhum outro caso. Não pode ser aplicada para quando não houver vagas nos presídios, quando as celas não forem consideradas adequadas no caso dos “presos especiais”, como forma de “progressão aflitiva”, ou, de qualquer modo, como medida alternativa a Prisão Preventiva.
A norma do artigo 317, portanto, somente pode ser compreendida conectada com a do artigo 318, a qual institui situações subjetivas de vantagem, que, tão só, favorecem os presos provisórios cujas condições pessoais estejam nela estipuladas. Constituindo regra de direito excepcional, por uma questão de hermenêutica, torna-se ela “inextensível e inampliável à situações outras que lhe sejam estranhas”, consoante já decidiu para as hipóteses de prisão pena convertida em prisão domiciliar, não obstante a inconsistência jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal (HC 68.012/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).
Conclui-se, assim, que a Prisão Provisória Domiciliar somente pode concretizar-se no sistema pátrio como substitutiva da prisão preventiva e, exclusivamente, para as hipóteses em que o preso provisório tem mais de 80 anos, está extremamente debilitado por motivo de doença grave, é imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência ou, finalmente, trata-se de gestante a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.
Diga-se, por oportuno, que o ônus da prova referente às hipóteses mencionadas cabe a Defesa. As perguntas que ficam são: basta fazer a prova de uma das condições para que haja a substituição? O Juiz, em face de situação concreta existente nos autos poderá, mesmo que exibida a prova, denegar a substituição? Enfim, como deve ser compreendido o verbo “poderá” previsto no artigo 318?