É lugar comum, nas sociedades modernas pós-industriais européias e da América e também de alguns países “emergentes” como o Brasil, falar-se em riscos referentes a ofensas não delimitadas, globais, com afetação a múltiplos setores sociais.
Em face da complexidade que, inegavelmente, tece as relações sociais nessas sociedades, e considerando que muitos dos resultados ofensivos se produzem a longo prazo e, de todo modo, em uma situação de incerteza sobre a relação causa-efeito, lança-se mão, de forma freqüente, do recurso aos tipos de perigo, com configuração cada vez mais abstrata (crimes de perigo presumido), fundamentado-os no princípio da precaução.
Em face da complexidade que, inegavelmente, tece as relações sociais nessas sociedades, e considerando que muitos dos resultados ofensivos se produzem a longo prazo e, de todo modo, em uma situação de incerteza sobre a relação causa-efeito, lança-se mão, de forma freqüente, do recurso aos tipos de perigo, com configuração cada vez mais abstrata (crimes de perigo presumido), fundamentado-os no princípio da precaução.
Mas há ofensa nos denominados delitos de perigo abstrato? Os delitos de perigo são aqueles em que a conduta do agente põe em risco de dano o bem jurídico tutelado pela norma; esse risco constitui, em si, o “desvalor da ação”. Dividem-se em crimes de perigo concreto e crimes de perigo abstrato. A diferença, segundo muitos doutrinadores nacionais (Hungria, Noronha, Prado, Jesus etc) está em que, nos primeiros, a ofensa (perigo de dano) precisa de comprovação, enquanto, nos segundos, o perigo é inerente à conduta, considerada tão grave que a ofensa (perigo de dano) não necessita de demonstração empírica, vale dizer, não precisa ser provada, mormente pela importância conferida pelo legislador ao bem jurídico.
É possível que haja, sim, ofensa. No entanto, como não há exigência da prova do perigo sofrido pelo bem jurídico, nunca poderemos precisar. Deste modo, parece-me que não há como sustentar a constitucionalidade destes delitos, a menos que se possibilite uma via interpretativa, permitindo ao agente (à sua Defesa técnica) fazer a prova de que não havia o perigo. Nesse sentido, a doutrina prevalente alemã, segundo Palazzo, insistiu numa transformação substancial da categoria, sustentando, interpretativamente, em concreto, uma possibilidade de prova contrária de não-perigosidade, que não conseguiu, no entanto, bom acolhimento jurisprudencial. A doutrina italiana já propõe a formulação de um dispositivo genérico que, junto à enunciação da legalidade, seja capaz de eliminar a subsistência do crime quando o fato, ainda que se amolde ao tipo, revele-se concretamente inofensivo.
Mas a inversão do ônus da prova é possível em matéria penal? Parece-nos que a resposta é afirmativa, porquanto a inversão aqui significa, exclusivamente, a ampliação do direito de defesa para permitir a demonstração da inexistência do perigo.
É o princípio constitucional da ofensividade, de qualquer modo, que vai obrigar o próprio juiz, no caso concreto, a averiguar se, necessariamente, era possível que a conduta praticada pelo agente pudesse causar lesão a um bem juridicamente protegido.