segunda-feira, 20 de julho de 2009

MUITO ALÉM DO JARDIM


“A razão quer decidir o que é justo, a cólera quer que se ache justo o que ela já decidiu”. (Sêneca)



Mesmo nos dias atuais, é comum, e bem mais aceita popularmente, a tese de que o que importa é a prática e não a teoria, como se houvesse possibilidade de ação sem qualquer aparato teórico para sustentá-la. Tal assertiva não encontra, em primeiro lugar, qualquer coerência e pode significar, o que é mais grave, uma tentativa ideológica de manipular a opinião pública, defender interesses financeiros, pessoais, corporativos, entre outras inclinações escusas.


Todo conhecimento que produzimos é interessado. Não há conhecimento asséptico. No ato de conhecer, qualquer que seja o objeto do conhecimento, o ser humano leva toda a sua carga de preconceitos, o que significa dizer: conhecemos as coisas através da nossa formação anterior e, o pior, muitos destes preconceitos estão tão internalizados em nós que sequer temos consciência de que os levamos conosco para o ato de conhecer. Apreendemos, assim, o que é o amor, Deus, ética, beleza e mesmo o que é a biologia, a física, enfim, todo e qualquer saber, segundo padrões pré-concebidos e interiorização, consciente e/ou inconsciente, de uma série de conceitos anteriores.


Como somos capazes de decidir mais ou menos com liberdade, ou seja, possuímos, em certa medida, um autogoverno, a grande maioria das nossas ações e omissões tem uma finalidade e é guiada por uma idéia que formamos a respeito das coisas. Pois bem, as idéias não são senão concebidas por nossos sentidos e pelos marcos teóricos produzidos por nossa formação cultural. Delas decorre, necessariamente, nosso comportamento. Condutas sem idéias, é dizer, sem teorias, ou são condutas de insanos, ou de isolados da coletividade ou, mesmo, não são condutas e sim espasmos musculares, atos reflexos sequer controlados pela capacidade cerebral de movimentação corpórea.


No processo de conhecimento, existe, ademais, a influência de um agente moderno: a propaganda. Sofisticada, no nosso admirável mundo novo, pela força criativa da mídia, a propaganda determina a compra de um simples calçado e é capaz, desde Joseph Goebbels, de servi-se da utilização de técnicas e conteúdos para apelar, fortemente, ao emocional das pessoas, convencendo-as. As técnicas consistem em cercar o espectador (leitor, ouvinte, telespectador) com proposições de caráter categórico, produzidas exaltadamente, valendo-se, via de regra, de frases de efeito com o objetivo de atingir as emoções do público (paixão, ódio, repulsa, fidelidade, possessividade etc). O método conta, ademais, com a criação, pelo comunicador, do “inimigo comum”, isto é, formula-se, enganosamente, a imagem de pessoas que pareçam hostis ao convívio social, ou que pareçam pertencer a grupos opostos ao do comunicador e do seu público, tendo por escopo estabelecer um vínculo de confiança e união entre o primeiro e o último, para iludir o seguidor (o público) a acreditar ou ter esperança na vitória do bem (o comunicador e seu espectador) contra o mal (o “inimigo comum”).


Em sociedades periféricas como a nossa, com um grau elevado de violência, um padrão cultural baixo, altos índices de analfabetismo e a inoperância das instituições, discursos baseados nesta técnica são sedutores, ainda que medíocres. Essas sociedades, porém, na contemporaneidade, são dotadas de extrema complexidade e vincadas por múltiplos valores, a exigir soluções bem mais elaboradas. O simplismo maniqueísta destes discursos tem contribuído para o atraso e preconceitos indevidos, além de legitimar práticas espúrias que ocultam os mais ilegítimos interesses.