quinta-feira, 28 de julho de 2011

A PRISÃO PROVISÓRIA DOMICILIAR


Uma das minhas preocupações com a reforma produzida pela lei 12.403/2011 é o modo como será interpretada a Prisão Provisória Domiciliar. É indiscutível, como já é cediço, que o interprete cria o direito, a discussão diz respeito aos limites desta criação. Pois bem, a questão que está em pauta é se a Prisão Provisória Domiciliar é mais uma medida cautelar autônoma, ou tão só, um cautelar substitutiva da Prisão Preventiva. E se for, somente substitutiva, como é – segundo meu ponto de vista –, deve cingir-se apenas aos casos especificados na própria lei, ou ampliada para outras hipóteses não previstas?

A preocupação justifica-se, em especial no nosso país, pela possibilidade de criação de mais um privilégio para as castas de sempre. A vingar o entendimento de que estamos tratando de uma cautelar autônoma, será possível empregar a Prisão Provisória Domiciliar ao talante do Juiz, como alternativa a Prisão Preventiva.  

Todavia, uma tal interpretação não deve prevalecer. O Código de Processo Penal, sistematicamente, trata primeiro da Prisão Preventiva e em sequência da Prisão Provisória Domiciliar, conceituando-a em um dispositivo e firmando sua aplicabilidade no outro, para só, então, em capítulo distinto, elencar outras cautelares, estas, sim, autônomas. Fazendo uso da analogia com a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), revela-se, também, a natureza unicamente substitutiva da Prisão Provisória Domiciliar. O artigo 117 da LEP somente admite o “Recolhimento em Residência Particular”, como substituto da Prisão Pena e, para além, exclusivamente nas hipóteses previstas, vale dizer o rol é taxativo.

É claro que ambas as questões agora se fundem. Se as hipóteses previstas no artigo 318 do CPP são taxativas, e o são, diante da excepcionalidade da Prisão Provisória Domiciliar, este tipo de cautelar não pode ser aplicada para nenhum outro caso.  Não pode ser aplicada para quando não houver vagas nos presídios, quando as celas não forem consideradas adequadas no caso dos “presos especiais”, como forma de “progressão aflitiva”, ou, de qualquer modo, como medida alternativa a Prisão Preventiva.

A norma do artigo 317, portanto, somente pode ser compreendida conectada com a do artigo 318, a qual institui situações subjetivas de vantagem, que, tão só, favorecem os presos provisórios cujas condições pessoais estejam nela estipuladas. Constituindo regra de direito excepcional, por uma questão de hermenêutica, torna-se ela “inextensível e inampliável à situações outras que lhe sejam estranhas”, consoante já decidiu para as hipóteses de prisão pena convertida em prisão domiciliar, não obstante a inconsistência jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal (HC 68.012/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence). 

Conclui-se, assim, que a Prisão Provisória Domiciliar somente pode concretizar-se no sistema pátrio como substitutiva da prisão preventiva e, exclusivamente, para as hipóteses em que o preso provisório tem mais de 80 anos, está extremamente debilitado por motivo de doença grave, é imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência ou, finalmente, trata-se de gestante a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.

Diga-se, por oportuno, que o ônus da prova referente às hipóteses mencionadas cabe a Defesa. As perguntas que ficam são: basta fazer a prova de uma das condições para que haja a substituição? O Juiz, em face de situação concreta existente nos autos poderá, mesmo que exibida a prova, denegar a substituição?  Enfim, como deve ser compreendido o verbo “poderá” previsto no artigo 318?  

sábado, 23 de julho de 2011

MAIORIDADE PENAL: O QUE É PRECISO MUDAR?


                                                                       “Como a virtude, o crime também tem seus degraus”. (Racine, Fedra, ato IV, palavras de Hipólito)

Diante do envolvimento constante de menores de 18 anos em assaltos, estupros e, especialmente, latrocínios e homicídios, pergunta-se com freqüência se já não é hora de determinar a responsabilidade penal para eles.  

Entre nós, os menores de 18 anos são inimputáveis, o que significa que eles não podem ser responsabilizados na esfera penal. Mas, o critério para definir a inimputabilidade é aleatório? De modo algum. Adota-se, aqui, o chamado sistema biológico, o qual determina a imputabilidade (= capacidade penal) valendo-se de uma causa biológica (CP, art. 27). No caso, a causa biológica é marcada pela puberdade e todo seu período anterior e, imediatamente, posterior. Entre 14 e 18 anos há transformações biológicas tão sensíveis que observamos facilmente: a voz começa a mudar, os pelos nascem, a ossatura modifica-se, a acne torna-se comum, os hormônios explodem, a personalidade está se moldando. Diante de todos estes acontecimentos, que assinalam um ser humano em plena transição, o tratamento punitivo não pode ser igual ao de quem já superou esta fase. Até aqui, não é possível muita discussão em face da base empírica de constatação do fenômeno, a não ser que se parta para debates emocionais.  

Há países, é verdade, que adotam outros critérios. Estados Unidos e Inglaterra, fiam-se, por exemplo, no critério psicológico, que consiste na análise das condições particulares de cada adolescente ou criança no momento do fato para verificar se elas alcançavam, com alguma maturidade, a capacidade intelectiva plena. Em alguns estados americanos, só há inimputabilidade para menores de 7 anos e, na Inglaterra, a inimputabilidade absoluta só existe para os menores de 10 anos, o que, ao meu aviso, é um exagero.  

No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) optou, corretamente, por uma estratégia contra a estigmatização. Por isso, quando os menores de 18 anos praticam atos descritos na lei penal como crimes, estes atos são chamados de “atos infracionais”. Bem assim, a resposta para atos infracionais não se chamam penas, mas “medidas sócio-educativas”. Percebe-se, pois, que, ao contrário do que muitos pensam, crianças e adolescentes respondem por seus comportamentos desviantes. 

O Estatuto traz várias respostas punitivas e, entre elas, está a “internação” que é, dentre as medidas, a de maior rigor. Aplicada para os atos infracionais mais graves, só pode perdurar por três anos. Neste ponto, nós precisamos ter coragem para assumir a necessidade de mudança, sem cair na velha cantilena dos detratores da privação de liberdade.  

É preciso acabar com a idéia, diga-se de logo, que a internação – forma de privação da liberdade – só se presta para ressocialização do infrator. Nestas horas, fico a imaginar como ressocializaríamos o empresário e político Paulo Maluf, o Juiz do Trabalho Nicolau dos Santos Neto, o banqueiro Salvatore Cacciola e o Médico Roger Abdelmassih, só para ficar no exemplo. Não há dúvidas, principalmente considerando os destinatários, que as medidas sócio-educativas, devem priorizar a prevenção especial. 

Mas elas, como as penas, servem, também, como castigo, que não deixam de ser, por isso, medidas racionais e pedagógicas. Desde criancinhas, aprendemos e nos educamos com as admoestações orais, com a proibição de sair de casa e de freqüentar determinados lugares, e até com as palmadas – que querem proibir – dos nossos pais, que não são outra coisa senão castigos ou punições.  

Pois bem, defendo que a internação deve ser aumentada para até 7 anos, prazo razoável para que o Juiz possa dosar a punição de acordo com a gravidade do fato. Ademais, para haver compatibilidade com esta mudança, é preciso modificar a idade de liberação compulsória, que passaria para, no máximo, 25 anos. A medida continuaria a não comportar prazo determinado (ECA, art. 121, § 2º), mas a reavaliação de sua manutenção se daria a cada ano. Tais alterações se coadunam tanto com as normas da Convenção da ONU Sobre os Direitos da Criança (art. 37, b), quanto com a gravidade dos fatos perpetrados por infratores contumazes.  

De resto, advogo a manutenção das demais previsões do Estatuto, que, aliás, contemplam boas regras, carecendo de câmbios pontuais. É claro que a internação deve ser cumprida em local diferente das prisões comuns, mas, ao atingirem a maioridade, os adolescentes devem ser transferidos para as “penitenciárias jovem-adulto”, aquelas que só admitem presos até completarem os 25 anos de idade. 

Quando trabalhamos com questões como estas, não podemos mais ficar reféns do “discurso esquerdista tardio”, o qual, seja através de elaborações mais sofisticadas ou de exposições grosseiras, tem servido para vários propósitos, dos mais ingênuos aos mais escusos.

sábado, 16 de julho de 2011

O GÊNIO DE ALLEN

 Dois filmes, duas cidades, o mesmo diretor. Wood Allen retoma no sensacional “Meia-noite em Paris” a chamada dos gênios das artes, que tanto o influenciaram, e foram destaque, também, em “Manhattan”. Neste último filme, é o próprio Allen que encarna um personagem – numa história pessoal incrivelmente pós-moderna – envolto com o cinema sueco e com diversas referências artísticas como Van Gogh, Maller, Young, Nabokov, Scott Fitgerald, só pra ficar no exemplo. Em “Manhattan”, assistimos a história num ambiente repleto de informações que compõe a excepcional cidade de Nova York.


 Em “Midnigth in Paris” nos vemos envolvidos, já no início da película, pela atmosfera fantástica de Paris, capaz de transportar todos os espectadores para dentro da tela, como Owen Wilson foi transportado para uma outra era, onde falava com Gertrude Stein e todo seu círculo de amizade – de Picasso a Hemingway –, e caminhava numa Paris sob as estrelas de Van Gogh, tal qual retrata, precisamente, o cartaz americano:  

 Para os amantes da sétima arte é proibido deixar de assistir a ambos.